quarta-feira, 31 de maio de 2017

Cher Gerhard

1) O processo de definição do nacional, atividade que ocupava tanto esquerda quanto direita no início da década de 1930 na Alemanha, aparece em Benjamin como uma questão em aberto, algo que se reflete também nas suas relações com os indivíduos de seu círculo mais próximo: suas cartas com Gershom Scholem nesse período estão repletas de evasivas quanto ao projeto de finalmente se estabelecer na Palestina. O "pertencimento nacional" é observado por Benjamin nos gestos, costumes e textos que circulam nesse período, algo que se intensifica ou esclarece em dois pontos básicos: a ligação com a terra e a ligação com a língua. 
2) Nessa perspectiva, é digno de nota que a carta escrita por Benjamin a Scholem em 20 de janeiro de 1930, quebrando um silêncio de quase três meses, foi escrita em francês: “Você provavelmente achará que estou louco”, escreve Benjamin, “mas acho imensamente difícil encerrar meu silêncio e falar com você sobre meus projetos. Acho tão difícil que talvez nunca conseguiria caso não recorresse a esse álibi que o francês é para mim. Deixe-me dizer de imediato que não me sinto capaz de pensar em minha viagem à Palestina até meu divórcio estar concluído. E não parece que isso vai se resolver em breve”. Além disso, Benjamin sempre se refere a Scholem como Gerhard, e nessa carta específica como “Cher Gerhard”, e assim o fará até o final, sem usar portanto o nome “palestino” de Scholem, Gershom, adotado por ele já a partir de 1923.
3) Scholem e Benjamin, via tradição hermenêutica judaica, davam enorme importância aos nomes, como evidenciado pelo fragmento de Benjamin de 1933, “Agesilaus Santander”, sobre o qual Scholem escreve um ensaio em 1972, “Walter Benjamin e seu anjo”, e um breve artigo em 1978, “Os nomes secretos de Walter Benjamin”. Jacques Derrida, em Força de Lei, fazendo uma leitura minuciosa do ensaio de Benjamin de 1921, “Para uma crítica da violência”, “Zur Kritik der Gewalt”, argumenta que esse último termo, Gewalt, carrega consigo não tanto a presença de Walter Benjamin, mas o espaço indecidível que articula pessoalidade e impessoalidade na performance da linguagem. Escreve Derrida: “Chance da língua e do nome próprio, álea no cruzamento do mais comum e do mais singular, lei do destino único, o 'jogo' entre walten e Walter, este jogo logo aqui, entre este Walter e o que ele diz de Walten, é preciso saber que ele não dá lugar a nenhum saber, nenhuma demonstração, nenhuma certeza. Este é o paradoxo de sua força 'demonstrativa'" (Força de lei. Trad. Leyla Perrone-Moisés. Martins Fontes, 2010, p. 132).

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