sábado, 14 de maio de 2016

Poloneses, 6.1

Paul Groussac
Na escrita de Piglia, o "romance polonês" e o "romance argentino" se atravessam a partir do contato de figuras díspares - Borges e Gombrowicz, que calhavam de estar na mesma cidade - que compartilhavam uma ideia de tradução: a "tradução ruim", fruto de uma "tradição clandestina", ou seja, uma tradução sem pudor, criativa, que esvazia a rigidez dos pertencimentos (ou como diz Borges ao comentar o Vathek de William Beckford: a simples possibilidade de atestar que o original é infiel à tradução).
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1) Ainda nesse mesmo breve ensaio, ao privilegiar a tradução Piglia está deliberadamente privilegiando uma reflexão sobre a linguagem, uma fenomenologia do ato tradutório (Piglia enfatiza o encontro de Gombrowicz com os tradutores, o sentimento de um espanhol "crispado e artificial", o ambiente do café Rex na Corrientes, "um bando de conspiradores liderados por um conde apócrifo"). 
2) Como contraste, Piglia fala do espanhol de Borges - "preciso e claro, quase perfeito". Não é crispado. "Um estilo cuja genealogia o próprio Borges remontava a Paul Groussac", escreve Piglia. "Nosso Conrad é Groussac", acrescenta Piglia entre parênteses. Ou seja, Groussac é esse estrangeiro que absorve a "língua local" e reinventa suas possibilidades, ressignifica seu uso literário.  
3) Groussac, exilado como Gombrowicz, mas manipulando o espanhol como fez Conrad com o inglês (não um uso crispado, mas clássico, contido). As origens "argentinas" do estilo de Borges estão em Groussac, escreve Piglia. A origem deslocada, a origem como um embuste. O estilo de Borges, construído a partir do espanhol atravessado de francês de Groussac, nasce de "uma relação deslocada com a língua materna". O que Borges absorve de Groussac não tem relação com o idioma francês, mas sim com o procedimento de desconsiderar a origem como ponto fixo (o idioma de partida para Borges é o inglês, o inglês da avó paterna, Fanny Haslam. O idioma no qual leu o Quixote pela primeira vez; o original em espanhol depois lhe pareceu uma tradução ruim - o original, portanto, infiel à tradução, como no Vathek de Beckford). 

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