Em um dos fragmentos de Minima Moralia (128, "Regressões"), Adorno relembra uma canção de ninar que escutava quando criança, identificando nela certa "frieza burguesa", por conta da "satisfação por ter sido expelido o intruso". Parte da canção fala do cachorro que rasga a roupa de um mendigo, que então foge, o que permite que a criança durma tranquila. O mendigo, na versão ilustrada do livro, recordada por Adorno, parece um judeu. Em seguida, Adorno recorda um fragmento de Walter Benjamin: "enquanto ainda houver um mendigo, ainda há mito; só com o desaparecimento do último mendigo o mito seria reconciliado". Surge então, abruptamente, a "luz messiânica" crítica que Adorno declara como método, pois o mendigo passa de intruso a ser expelido a utopia a ser aguardada, o último mendigo guardando a "esperança de que seja apagado o último traço de perseguição" - a última frase do fragmento é a transformação que Adorno realiza de um dos versos da canção de ninar: "Fica tranquilo, o mendigo já vem" (como é típico dos fragmentos de Minima Moralia, os contrários se tocam, transitando em uma tensa área comum - o mendigo é tanto o indivíduo real, histórico, quanto o símbolo de um evento que só pode alcançar sua força no momento de sua extinção. Esse dilema está posto, rigorosamente nos mesmos termos (o contato tenso entre matéria e símbolo, revolução e mito), por Joseph Roth em A lenda do santo beberrão).
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Ainda que Adorno não declare, toda a passagem sobre o mendigo é também um resgate de Homero, do mesmo Ulisses que Adorno tanto comenta, especialmente na Dialética do esclarecimento. Ou seja, Ulisses metamorfoseado em mendigo na Odisseia, um de seus muitos ardis, esse com o intuito de entrar às escondidas em Ítaca e enganar os pretendentes de Penélope. É ela quem diz, no Canto XVII, "Mendigo tímido é mau mendigo".
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