sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sontag e seus diários, 2

Edição dos diários de Gide usada por Sontag
1) É curioso que Sontag se ocupe tanto de André Gide em seus primeiros anos de leitora. Em  setembro de 1948, com quinze anos de idade, ela escreve: "estou mergulhando em Gide outra vez", ênfase no outra vez, "que clareza e precisão! Sem dúvida, isso vem do próprio homem, que é incomparável - toda a sua ficção parece insignificante, ao passo que A montanha mágica é um livro para toda a vida". Dias depois, Sontag comenta sua leitura dos Diários de Gide: "terminei de ler esse livro às duas da madrugada do mesmo dia em que o comprei... Gide e eu alcançamos uma comunhão intelectual tão perfeita que chego a sentir as dores de parto próprias de cada pensamento que ele dá à luz!".
2) Esse trágico paradoxo do diário, que está em Gide, que está em Paul Valéry e seus Cadernos, ou seja, essa obliteração da vida em direção à escrita, essa canalização da "realidade" em direção à "irrealidade" do relato privado (movimento que Blanchot, em O livro por vir, ressaltou em sua ousadia, em seu "estranhamento" do viver na e pela literatura). Em O mal de Montano, Vila-Matas comenta os Diários de Gide: "conta a história de alguém que passou a vida tentando escrever uma obra-prima e não conseguiu", mas, paradoxalmente, "talvez esse grande livro seja o diário", "onde refletia a busca cotidiana dessa obra-prima".
3) "Talvez com a exceção de Paludes", escreve ainda Vila-Matas, "o resto da obra de Gide é, hoje em dia, bastante ilegível", "o diário, por sua vez, é um cume literário, um dos grandes diários de escritor que existem". Um diário que durou sessenta e três anos - Gide inclusive estava vivo quando a menina Susan Sontag nele mergulhou (ele faleceu em 1951). Mas é importante notar a medida que Sontag usa para avaliar Gide: Thomas Mann e A montanha mágica. No número 11 da revista Serrote foi publicado o relato de Sontag sobre sua visita a Mann, em dezembro de 1947. A personalidade do escritor alemão lhe pareceu banal, não condizente com a enormidade da obra. Gide, por outro lado, não escrevia uma ficção à altura de sua "vida", aquela vida que ele tão habilmente transmitiu aos seus diários. 

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