sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O que continuar dizendo de Hrabal?

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1) Se pensarmos em Uma solidão ruidosa, na história de um homem que prensa livros e papéis imundos das mais diversas procedências (há inclusive um açougue que abastece seu porão regularmente), veremos um homem diante de uma máquina. A máquina responde com eficácia e precisão. O homem com relutância e com desejo.
2) O homem, protagonista e narrador, vive enfiado num buraco, um porão gigantesco onde as pilhas de papel imundo se acumulam. Há colônias de ratos em todos os cantos - não são ratos violentos, demoníacos, assustadores, muito pelo contrário: são pequenos ratos cegos, acostumados com a penumbra do porão, ratos leitores, sobreviventes. A Josefina de Kafka aprendeu o que sabe no porão de Hrabal.
3) Hant'a, esse é o nome do homem que opera a prensa. Ele é um tonto, um idiota, um idiota da família, como o Flaubert de Sartre. Quando a máquina (e o patrão, que grita ameaças do alto, da abertura do porão, lá de onde chove mais e mais refugo e imundície) solicita ação, coordenação, participação (alinhamento, postura condizente, padrão), o idiota responde com o desejo. Um desejo de prefiro não fazer, um desejo de construir uma nova cidade a partir da excrescência, um desejo de literatura menor, um desejo de fazer pela metade, fazer de forma capenga, botar a máquina para girar em falso.
4) Hant'a guarda alguns dos livros que aparecem e os leva para seu apartamento - que está abarrotado por conta dos trinta e cinco anos de coleta. Diante do caos do arquivo, da doença galopante do arquivo que tem um cu aberto que só recebe o podre e o vergonhoso, Hant'a faz seu inventário - ele monta e desmonta, ele delira. Sou um cântaro cheio de água mágica e pura, basta me curvar e um jorro de lindos pensamentos flui, ele diz.
5) O imbecil forma uma conjura, funda uma cidade impossível. O tonto de Hrabal celebra o fracasso, mas celebra o vazio da existência humana com um copo cheio de cerveja (a capacidade da caneca de Hant'a é de 5 litros), exatamente como os idiotas de Flann O'Brien e não como os perdedores de Walser ou Kafka. Eles se encontram na entrada, mas se separam.
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