quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Saer e Magris, 1

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1) Juan José Saer e Claudio Magris são perfeitamente aproximáveis, principalmente se pensarmos em El río sin orillas, que o primeiro publicou em 1991, e Danúbio, que o segundo publicou em 1986. São dois esforços simétricos: Saer percorre o rio da Prata assim como Magris percorre o rio Danúbio, ambos permitindo que as referências cultas se misturem aos relatos populares encontrados e entreouvidos durante a viagem. Os dois rios articulam pertencimentos; solicitam posições daqueles que estão por perto; fazem com que a simples condição de “elemento natural” seja problematizada quando suas margens passam a ser povoadas.
2) O rio, por conta de sua fluidez, é utilizado, por Saer e Magris, como metáfora para a impureza cultural que constitui toda nação. Não há sistema de pensamento, ou cenário intelectual, que não tenha sido atravessado por forças que eram, a princípio, estranhas. Saer inicia seu relato a partir da viagem, a partir do avião que o levará novamente à Argentina, um solo familiar que é contemplado a partir dos muitos anos que já leva vivendo na França. Saer, quando se propõe a refletir sobre o rio da Prata como uma entidade que testemunha, permanentemente, a impureza cultural, leva em consideração a perspectiva do expatriado.
3) E Magris, da mesma forma: italiano, com sólida formação em língua e literatura alemã, autor do celebrado ensaio O mito habsbúrgico na literatura austríaca moderna (1963), tradutor e ficcionista, inicia seu livro Danúbio a partir da briga entre dois minúsculos municípios, situados na Floresta Negra, sobre qual deles detém a verdadeira nascente do rio. Todo o extenso estudo de Magris remete continuamente ao lado belicoso e revanchista do pertencimento e das tentativas de marcar territórios, limites, umbrais ou fronteiras. Essa preocupação está ligada a um viés pessoal, a justificativa de sua formação alemã, e, também, a um viés ético e histórico: interrogar-se sobre a Europa significa, hoje, interrogar-se também sobre a própria relação com a Alemanha.
4) A violência inerente ao pertencimento geográfico é, também, um elemento importante na argumentação de Saer. E o conflito mais evidente no rio da Prata, a partir do qual ele passa a ser povoado e que o define historicamente, é aquele entre índios e espanhóis. Saer sublinha, primeiro, a violência antiga que forjava as relações entre os índios: las tribus del territorio argentino vivían guerreando entre ellas, a veces a causa de antagonismos ancestrales e irreconciliables o de rencillas episódicas a las que bastaba una mera transgresión protocolar para desencadenarse. Em seguida, a violência entre índios e espanhóis, una guerra que durará, con las más variadas peripecias, tres siglos y medio; el intercambio de atrocidades sólo acabará em 1880, con el exterminio definitivo de una de las partes envolvidas en el conflito. E, finalmente, a violência da geografia contra os dois grupos: indios y europeos tenían, en ese lugar, un enemigo común: el hambre.
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Um comentário:

  1. Delicioso relembrar as histórias do Danúbio. Ler a sua opinião e seu conhecimento. Finalmente, a ligação entre Saer e Magris, foi excelente. Eu que não consegui ler Saer com prazer, agora farei a tentativa do El rio sin orillas. Obrigado e abraços.

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