sábado, 22 de maio de 2010

Fascismo, Bolaño, Dunga


Na Veja da semana que se encerra hoje, Roberto Pompeu de Toledo publicou um texto intitulado “Talibãs de chuteiras”. Faz um retrato jocoso e irônico do nacionalismo exacerbado da propaganda da Brahma com Dunga (brahmeiro, guerreiro, etc) e da postura desse último com relação ao futebol e a sua momentânea condição de líder brasileiro. Roberto Pompeu de Toledo diz que Dunga nos ameaça com patriotismo – sua mãe o ensinou desde cedo a ser patriota. Dunga e a propaganda da Brahma oferecem palavras de ordem de forma estridente: raça, nação, guerra, jogar e torcer como quem vai para a batalha (a batalha pela imposição de um sentido único). Fazer parte de um Encontro Mundial de Seleções, nessa lógica do pertencimento absoluto, é uma grande chance para arranjar brigas e eleger inimigos – e nunca de encarar diferenças e explorar novos ângulos. O comportamento belicoso de Dunga, afirma Roberto Pompeu de Toledo, é um grande incentivo para a manutenção e legitimação do discurso e da postura das torcidas organizadas - “nação tricolor”, nação alvinegra”, “super raça etc”, e suas arquiconhecidas manifestações racistas, homofóbicas, beligerantes e fascistas. Tirei uma cópia desse texto de Roberto Pompeu de Toledo, dobrei em três partes e coloquei dentro do meu exemplar de La literatura nazi en América.

Está tudo lá, afinal de contas. Basta lembrar de Silvio Salvático, “jogador de futebol e futurista”, como escreve Bolaño. Ou dos fabulosos irmãos Schiaffino, Argentino e Italo, poetas, fascistas e assíduos colaboradores das torcidas organizadas do futebol argentino. Os exemplos são muitos, estão em 2666, no Carlos Wieder de La literatura nazi e de Estrela distante, em vários contos, nas surras, nos linchamentos, na violência gratuita – a percepção de Bolaño de que o fascismo desliza, se camufla, prolifera sobretudo nos campos completamente ignorados pelas altas esferas (oficinas de poesia na periferia, ajuntamentos de torcedores fanáticos, a penumbra dos cafés).


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Jacques Deza, o narrador de Seu rosto amanhã, ainda no primeiro tomo, esbarra em uma festa com um imbecil chamado Rafael de la Garza – e o sujeito fica enchendo os ouvidos de Deza com comentários na linha “no tempo da ditadura é que era bom”, etc. Ainda que um imbecil, de la Garza dá a oportunidade para que Marías/Deza discorra brevemente sobre o fascismo e a literatura contemporânea (uma digressão que poderia ter durado mais, ao contrário de outras, que duram muito mais do que o necessário). Mais do que temas fascistas há um estilo fascista que percorre grande parte da literatura contemporânea espanhola, escreve Marías, um cacoete difícil de reconhecer, mas que persiste. Seria interessante deslizar essa percepção de Marías e ver o que mais circula de fascista entre nós, além de Dunga e da Brahma.


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4 comentários:

  1. A discussão sobre fascismo é só naquele momento, mas a discussão sobre direita x esquerda é retomada depois com o Toby Rylands.
    Ah, no Seu Rosto Amanhã 2 - O Retorno, Rafita volta em full effect.

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  2. Por essa via, chegamos perto de universalizar o fascismo, ou demonstrar que, in potentia, ele subjaz a qualquer atividade humana. Exemplo fácil estaria nos pacatos e doutos literatos espancando o taxista - imolar reaça vale?

    Não vou falar que o post é bom porque isso já está ficando sem graça e eu tenho que poupar algum pra orelha do seu livro. :)

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  3. essa metáfora da guerra é completamente desgastada...mas não acho que o Dunga faça esse estilo, acho q é a mídia q adoro um bá-fá-fá pra ter o q falar...

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  4. A razão de parecer que o fascismo é "universalisável" a ponto de podermos imolar o taxista reaça (ótima ideia!) chamando o sujeito de "filhotinho de Mussolini", é que o fascismo só foi possível graças à tudo aquilo que caracteriza nosso tempo: a publicidade, o discurso de massa, a hierarquização e divisão da força de trabalho na era industrial e a contabilização das vidas e destinos humanos como mero elemento de cálculo (tão comum nas decisões de governo e no cotidiano de qualquer empresa).

    Por favor, não pensem que eu quero crucificar os publicitários, os empresários e os contadores, além dos taxistas e técnicos de futebol... Mas, como disse o Kelvin, seria interessante ver o que mais circula de fascista entre nós, e é justo nesses elementos tão característicos de nosso tempo que podem surtir os focos mais fortes de fascismo, de modo que é bom ficarmos alertas para que o "vírus" nunca se espalhe através deles.

    Anauê! ;-)

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