Um rato entrou, não sei de que buraco;
Não silencioso, como é seu hábito,
Mas presunçoso, arrogante e bombástico.
Era loquaz, rebuscado, equestre:
Empoleirou-se em cima da prateleira
E me fez um sermão
Citando Plutarco, Nietzsche e Dante:
Que eu não devo perder tempo,
Blá-blá-blá, que o tempo urge,
E que o tempo perdido não retorna,
E que tempo é dinheiro,
E que quem tem tempo que o aproveite,
Porque a vida é breve e a arte é longa,
E que sente lançar-se às minhas costas
Não sei que carro alado e falcado.
Que petulância! Quanta baboseira!
Era de me torrar a paciência.
Acaso um rato sabe o que é o tempo?
Logo ele, que está gastando o meu
Com essa lenga-lenga descarada.
É um rato? Que vá pregar aos ratos.
Pedi-lhe que saísse do recinto:
O que é o tempo, eu sei perfeitamente,
Entra em muitas equações da física,
Em vários casos até ao quadrado
Ou com um expoente negativo.
E de meus casos quem cuida sou eu,
Não necessito de governo alheio:
Prima caritas incipit ab ego.
15 de janeiro de 1983
(Primo Levi, Mil sóis: poemas escolhidos, trad. Maurício Santana Dias, Todavia, 2019, p. 94-97)

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