sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Um rato


Um rato entrou, não sei de que buraco;

Não silencioso, como é seu hábito,

Mas presunçoso, arrogante e bombástico.

Era loquaz, rebuscado, equestre:

Empoleirou-se em cima da prateleira

E me fez um sermão

Citando Plutarco, Nietzsche e Dante:

Que eu não devo perder tempo,

Blá-blá-blá, que o tempo urge,

E que o tempo perdido não retorna,

E que tempo é dinheiro,

E que quem tem tempo que o aproveite,

Porque a vida é breve e a arte é longa,

E que sente lançar-se às minhas costas

Não sei que carro alado e falcado.

Que petulância! Quanta baboseira!

Era de me torrar a paciência.

Acaso um rato sabe o que é o tempo?

Logo ele, que está gastando o meu

Com essa lenga-lenga descarada.

É um rato? Que vá pregar aos ratos.

Pedi-lhe que saísse do recinto:

O que é o tempo, eu sei perfeitamente,

Entra em muitas equações da física,

Em vários casos até ao quadrado

Ou com um expoente negativo.

E de meus casos quem cuida sou eu,

Não necessito de governo alheio:

Prima caritas incipit ab ego.


15 de janeiro de 1983


(Primo Levi, Mil sóis: poemas escolhidos, trad. Maurício Santana Dias, Todavia, 2019, p. 94-97)

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