1) A passagem na qual Laura Boella comenta (e critica) o uso que faz Thomas Bernhard da figura de Ingeborg Bachmann em seu romance Extinção, no qual a poesia parece surgir como uma plataforma privilegiada para o trabalho posterior (e, de certa forma, superior) do comentário filosófico, se encaixa muito bem no comentário que faz Giorgio Agamben acerca da Divina Comédia, de Dante, em seu livro O Reino e o Jardim (4.1): muitas vezes a crítica insiste em "reconduzir" as ideias de Dante àquelas "dos teólogos seus contemporâneos", em particular Tomás de Aquino.
2) Mesmo um dos melhores intérpretes de Dante, continua Agamben, como é o caso de Charles Singleton, afirma que mais do inventar suas teorias, Dante as aceita - como se a mente de Dante (que se definiu várias vezes como filósofo, anota Agamben) não fosse, em termos de originalidade, capacidade inventiva e coerência, "infinitamente superior àquelas dos filósofos escolásticos seus contemporâneos, inclusive Tomás" (ainda 4.1). Em seguida, Agamben fala da inventio como "parte integrante da prática poética"; se assim não fosse, seria reduzida à "fútil tarefa" de revestir de "expedientes retóricos" ideias encontradas em outros lugares.
3) Parece restar, portanto, mesmo diante de Dante, um pressuposto de que a poesia seria um discurso a ser "aberto", "esclarecido", "esmiuçado" pelo discurso filosófico. Agamben argumenta o oposto: é a poesia de Dante que reconfigura a filosofia/teologia de sua época. A "originalidade" e "capacidade inventiva" de Dante ficam mais evidentes, continua Agamben, em sua descrição do paraíso terrestre, que não só rompe com os postulados canônicos de Agostinho, mas também reconfigura o próprio texto bíblico: sua descrição do rio que nasce no Paraíso dá a entender que foi introduzido "em um segundo momento" (pois se divide em dois, e não em quatro, como afirma o Gênesis), substituindo o cenário estabelecido na Bíblia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário