quinta-feira, 1 de julho de 2010

El tercer Reich

*

*

El tercer Reich, o livro de Bolaño, é, antes de tudo, um angustiante jogo com o tempo – uma instância controladora dos sujeitos que é, diga-se de passagem, bastante cruel em seus jogos. A proposta é a seguinte: invadir um tempo de Bolaño que leva a marca 1989, depois de já ter passado por Detetives, 2666 e todos os outros. Um Bolaño de quando Bolaño ainda não era Bolaño. Um Bolaño que ainda ensaiava seus passos na prosa, ainda que já estivesse firme no caminho dos concursos literários de contos. Um romance de Bolaño muito mais próximo do Bolaño poeta que do Bolaño romancista – sempre me considerei mais poeta que romancista, prefiro muito mais ler que escrever, duas frases recorrentes de Bolaño.
El tercer Reich é um diário, como aquele de Garcia Madero em Detetives. El tercer Reich trata da Segunda Guerra Mundial e de suas sobrevivências, como faz 2666 e La literatura nazi. El tercer Reich é uma incursão ao vazio e ao nada, ao absurdo, ao mal absoluto que apenas se manifesta, como o quarto com as fotos de Carlos Wieder em Estrela distante ou o longo caminho até o Rei dos Putos em Amuleto. É narrado em primeira pessoa por um jovem alemão que vai passar férias em um hotel na Costa Brava espanhola. A questão do idioma se resolve com o fato desse jovem, Udo Berger, ter passado várias temporadas naquele mesmo hotel durante sua infância. Udo é especialista em jogos de tabuleiro de estratégia, não só joga e vence campeonatos como também escreve artigos minuciosos acerca do ofício. Seus maiores triunfos acontecem com “El tercer Reich” - o jogo que quer revolucionar, e sua revolução, ainda que isso não seja dito, passa pela vitória da Alemanha. Uma correção sobre o papel de um erro da História.

A agonia de El tercer Reich é esticada de forma cruel, quase sádica. Bolaño sabe como essa agonia aumenta a cada página que passa – e a cada dia que Udo Berger passa na Espanha sem precisar. Todos vão embora e somente Udo permanece – com a desculpa de reconhecer o corpo de um amigo que morreu no mar em circunstância suspeita. O cadáver aparece, Udo faz o reconhecimento e ainda assim permanece. Ele convida Queimado, um sul-americano que vive na praia e que aluga pedalinhos para os turistas, para jogar “El tercer Reich” com ele em seu quarto. A partida é longa – o tempo da guerra é revisitado no tabuleiro, cada movimento é repetido em pequena escala no tabuleiro e a página fica estufada de fantasmas.
El tercer Reich é o horror informe, moldável – a cada um que se aproxima ele toma a forma do medo e do vazio que corresponde àquele olhar. Funciona também como um quarto hermeticamente fechado que vai, aos poucos, se enchendo de água. É também uma narrativa de viagem: Udo volta para casa e tudo parece um sonho, mas a forma como a narrativa é simplesmente abandonada no fim, arrojada ao vazio mais uma vez, deixa a cabeça completamente em branco, inerte. Não há reflexões literárias dignas de nota, só o ir e vir das ondas através da janela do quarto de Udo. O sul-americano que tem o corpo marcado, um monstro, é uma ameaça permanente, em silêncio. Alguns dizem que ele tem motivos pessoais para vencer “El tercer Reich”. Outros dizem que é um estuprador. Udo pensa, duas ou três vezes, que será violado. El tercer Reich é um pouco de Beckett e Bernhard, e muito de Malcolm Lowry – Under the Volcano, que voltará em Detetives. É um relatório do exílio, como Gombrowicz em Buenos Aires, Duchamp em Cadaqués e Paul Bowles em Tânger. E é mais, muito mais.
*

Um comentário:

  1. Mais um livro do Bolaño adicionado na minha lista de leituras futuras! Vou aos poucos descobrindo sua obra e me impressionando com os enredos, com as temáticas, com os exílios, com os aprisionamentos tão variados e tão viscerais.

    ResponderExcluir