sábado, 11 de janeiro de 2025
Um caso espírita
quarta-feira, 8 de janeiro de 2025
Personagens de Shakespeare
"Todo en él podía tener un doble sentido, ser verdadero y falso a la vez. Era como un personaje de Shakespeare: un ambivalente, un desconfiable. Un traidor, a lo mejor, en el sentido en que un doble agente no puede no ser un traidor. Quizás ésa fuera la verdadera modernidad de su personaje" (Alan Pauls sobre Rodolfo Fogwill, Fogwill, una memoria coral (Patricio Zunini), Mansalva, 2014, p. 27).
domingo, 5 de janeiro de 2025
Sontag, certezas
O que parece incomodar Susan Sontag na escrita de seus ensaios é a necessidade da certeza – o escritor interessante, ela escreve em uma entrada de setembro de 1975 de seus Diários, “se encontra onde existe um adversário, um problema”; quando “tudo é afirmação” não se pode ser “uma escritora boa ou útil” (ela usa Gertrude Stein como um exemplo dessa escrita da afirmação).
O diário é o laboratório de uma escritora cuja principal esfera de atuação é a dúvida, a ambivalência, a incerteza, o intervalo entre a escolha e a não-escolha de determinado tema ou caminho. “Tenho de desistir de escrever ensaios porque isso inevitavelmente acaba se tornando uma atividade demagógica”, escreve ela em maio de 1980, sempre nos Diários.
“Pareço ser a portadora de certezas que eu não tenho – não estou nem perto de ter”. São inúmeros os momentos em que Sontag ataca a si própria com suas obrigatoriedades: “tenho de desistir”, “tenho de escrever”, e, ainda assim, quantas vezes ela escapa e faz justamente o oposto? Da manutenção desse dilema ao longo dos anos surge uma obra, quase por acidente, que está aí para ser lida e revisitada.
domingo, 22 de dezembro de 2024
Das narrativas verdadeiras
1) O aspecto mais interessante da fábula de Luciano de Samósata sobre seu encontro com Homero - que acontece em seu romance Das narrativas verdadeiras, paródia satírica e irônica dos textos fantásticos do passado e de crendices variadas - é a origem "estrangeira" que ele confere ao poeta. O encontro acontece na "Ilha dos Beatos", onde estão também Pitágoras, Ulisses, Sócrates, entre outros.
2) Essa diluição da solenidade da origem é muito interessante: Luciano resgata no além o poeta original por excelência, o Homero que serve de exemplo e de repositório de sabedoria para tantos autores das mais variadas estirpes, ressaltando, contudo, que ele não era grego, e sim um bárbaro: só depois de ter se tornado refém dos gregos, ou seja, escravo de guerra, ele muda de nome e assim por diante (todo o movimento de Luciano é já uma paródia do mergulho nos mundo ínferos em busca de revelações e descobertas, como a katabasis do Canto XI da Odisseia, ou o Canto VI da Eneida de Virgílio).
3) Será que a reconstrução irônica que faz Luciano das origens de Homero tem alguma relação com seu primeiro tradutor para o latim, Lívio Andrônico? Nascido por volta de 284 a.C., na cidade que hoje é Tarento, Andrônico foi levado prisioneiro quando os romanos invadem a cidade em 272; vai como escravo para Roma e começa a trabalhar para a família Lívia como professor dos filhos de seu senhor. Foi nessa condição pedagógica que percebeu a falta de material adequado para o exercício do ofício - diante disso, por volta de 240, decide traduzir a Odisseia, de Homero, para o latim.
sábado, 21 de dezembro de 2024
Homero babilônio
"Ainda não haviam decorrido dois ou três dias quando me dirigi ao poeta Homero, quando ambos estávamos sem fazer nada, e informei-me entre outras coisas de onde ele era, dizendo-lhe que isso entre nós é ainda agora o tema mais investigado. Declarou que ele próprio não ignorava que alguns julgavam que fosse de Quios, outros de Esmirna e muitos de Cólofon. Disse, entretanto, ser babilônio e que, junto aos seus concidadãos, não de Homero, mas de Tigranes era chamado, mas que mais tarde, tendo-se tornado refém dos gregos, trocou de nome.
[nota da tradutora Lúcia Sano: Jogo de palavras: em grego, a palavra hómeros pode significar refém]
Ainda perguntei-lhe acerca dos versos espúrios, se por ele haviam sido escritos. Declarou que todos eram seus. Percebi então a grande tolice dos gramáticos seguidores de Zenódoto e Aristarco.
[Luciano zomba de dois filólogos alexandrinos: Zenódoto de Éfeso (ca. 333-260 a.C.), o primeiro editor de Homero, segundo a Suda, e Aristarco da Samotrácia (ca. 216-144 a.C.), que excluíam do texto homérico versos que não eram considerados genuínos por eles]
Já que ele havia respondido de modo satisfatório a tais questões, perguntei-lhe por que havia feito da "ira" o princípio e ele disse que daí havia partido sem nenhum propósito.
[Luciano refere-se ao fato de que a Ilíada começa com a palavra "ira" (mênin), o que levou os críticos, desde a Antiguidade, a considerar que se trata de uma escolha intencional do poeta]
Além disso, eu desejava saber se primeiro havia escrito a Odisseia, antes da Ilíada, como muitos dizem. Ele negou. Que nem cego era, algo que também dizem a seu respeito, eu soube imediatamente, pois o via, de tal forma que não tive necessidade de questionar. Com frequência fiz isso outras vezes, se acaso eu o visse sem fazer nada. Aproximando-me, interrogava-o e ele de bom grado respondia tudo, sobretudo depois do processo, já que o venceu - pois houve uma acusação de calúnia contra ele, feita por Tersites, por tê-lo ridicularizado em seu poema, da qual Homero foi absolvido, tendo Odisseu como seu advogado"
(Luciano de Samósata, Biografia literária, "Das narrativas verdadeiras: segundo livro", editora da UFMG, 2015, p. 168-169)
segunda-feira, 16 de dezembro de 2024
Josefina
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
O carvalho de Coriolano
1) Na vida de Coriolano, logo no início, na terceira seção, Plutarco conta como o então jovem guerreiro recebeu de seu comandante uma coroa feita das folhas do carvalho, concedida àqueles que salvam um companheiro de armas ao protegê-lo com o escudo. Como é típico de Plutarco (e, sem dúvida, um dos elementos que asseguram o valor do seu estilo ao longo dos séculos), ele inicia uma digressão aproveitando o tema do "carvalho": árvore que remete aos arcádios e à Arcádia, a mais fértil entre as árvores selvagens e a mais vigorosa entre as árvores cultivadas; "convém não esquecer", acrescenta Plutarco, que o carvalho oferece nutrição com suas "bolotas", além de ser fonte do hidromel, além de auxiliar na caça às "aves comestíveis" ao fornecer seu "visgo".
2) Como também acontece frequentemente em Plutarco, muitas das referências mobilizadas ao longo das digressões servem para uma valorização, ainda que enviesada, do mundo grego. É esse o caso na evocação das bolotas dos carvalhos: entre parênteses, Plutarco escreve que um "oráculo" certa feita chamou os arcádios de "comedores de bolotas". Uma das ocorrências dessa expressão está na Anthologia Palatina, que apresenta esse "Oráculo da Pítia", de autoria desconhecida: "Pedes a Arcádia? Muito pedes tu – não ta darei! / Na Arcádia há muitos homens comedores de bolotas / que se te interporão" (Heródoto (1.66), que transmite o oráculo, diz que ele foi dado pela Pítia aos Espartanos).
3) Nos versos 20-21 da décima Bucólica, Virgílio resgata um de seus pastores, Menalcas, e o apresenta "molhado pela colheita da bolota"; em nota, o tradutor João Pedro Mendes acrescenta: "A apanha do fruto do carvalho, para sustento dos porcos e bois na invernia, é executada na estação chuvosa e fria. O pastor chega molhado devido a essa tarefa de inverno. Também pode interpretar-se de outro modo. Catão, De Agric., 54, e Columela, VII, 9, 8, informam que os rústicos conservavam as bolotas em água para uso posterior" (p. 314-315, n. 18). No Canto XIII (versos 409-410) da Odisseia, Homero faz Ulisses reencontrar Eumeu e descreve as atividades dos porcos deste último: bebem água turva e comem muitas bolotas gostosas, próprias para a engorda.