1) É possível pensar que a fascinação de Georges Perec por Ellis Island - seu interesse, sua curiosidade - tenha relação com a infância, com sua infância (a infância como dimensão do desconhecido, do irrecuperável). Daí também a possibilidade de contato entre Perec e Meyer Schapiro por meio da Ellis Island, uma vez que para Schapiro a ligação entre infância e a ilha é direta. No caso de Perec, contudo, é preciso visitar sua autobiografia ficcional, W ou le souvenir d'enfance, publicada em 1975 (poucos anos antes da realização do documentário sobre a ilha, o que poderia levar à hipótese de W como trabalho prévio, como preparação do terreno para o documentário; ou ainda, considerar o documentário como uma continuação de W por outras vias, para além do autobiográfico).
2) A infância sempre parece um continente inexplorado para quem dela se aproxima. A infância é o momento de experimentação com a linguagem por excelência, uma etapa da vida na qual se toma liberdade diante das regras da língua – algo que pode ser tanto construtivo quanto destrutivo. A ideia está em Walter Benjamin, na junção de sua permanente preocupação com as origens da linguagem - e da vida, daí a infância - e aquilo que chamou "caráter destrutivo", uma espécie de pulsão que percorre todo trabalho criativo. O brinquedo, a tradução, a língua original, a alegoria, a imagem, a citação - aglutinações sensíveis temporárias de um mesmo fenômeno (é o que Giorgio Agamben retoma quando fala em infância e história).
3) O que é a infância de Jesus, segundo Coetzee? Um exercício em torno dessa constatação do duplo pertencimento infância x linguagem, decorrente de outro, destruição x construção. Não só A infância de Jesus, mas também A vida escolar de Jesus - reflexões de Coetzee, a partir tanto de Cervantes quanto de Dostoiévski, acerca da literatura como laboratório único na contemporaneidade de reflexão sobre a linguagem não-utilitária, a linguagem como jogo, como possibilidade de implosão do automatismo cotidiano (a infância como permanente emergência do caráter destrutivo). Por que Perec dá o nome W ao seu livro? Por causa do trocadilho, do jogo com a língua, double vé/vie, vida dupla, duplo registro, construir e destruir, seguir e retornar, simultaneamente.