A fascinação pelo voo e pelos balões entra pelo século XX e atinge, entre outros, Kafka ("
Os aeroplanos em Brescia", conto publicado em 1909) e Robert Walser - Walser publica em 1913 o conto
Ballonfahrt, "Viagem de balão". Num primeiro momento, a viagem de balão e o deslocamento aéreo não combinam com aquilo que Walser mostrava em sua vida e em sua poética - se há movimentação em Walser, ela é quase que exclusivamente pedestre, no rastro de Rousseau e dos andarilhos medievais. Em um dos ensaios de seu livro
Logis in einem Landhaus, Sebald ressalta justamente esse aparente paradoxo, argumentando que é nesse momento de exceção que Walser mais se revela: "o único momento em que vejo o viajante Robert Walser livre do peso de sua consciência é nessa viagem de balão".
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1) Na história de Walser, três pessoas estão no balão: "o capitão, um cavalheiro e uma jovem moça". O balão é uma "estranha casa", abaixo deles está "o abismo arredondado, pálido, escuro", as casas parecem "brinquedos inocentes", e as florestas "parecem cantar canções obscuras e antiquíssimas". O cavalheiro, que talvez seja uma versão de Walser, usa, "por um capricho", "um chapéu de plumas dos tempos da cavalaria medieval".
2) A viagem dura a noite inteira e mesmo assim não termina. Começa no entardecer, atravessa a noite, encontra o nascer do sol e segue. Certas passagens dão um tom quase ritualístico, como o de um pacto com a morte e com o vazio: "o rio noturno arranca da moça um leve grito de saudade. No que estará pensando? De um buquê que trouxe consigo, ela retira uma rosa escura, esplêndida, e a arremessa nas águas cintilantes. Belo, atraente abismo! Inúmeras porções de florestas e campos já ficaram para trás; é meia-noite".
3) "Como a terra é grande e desconhecida, pensa o cavalheiro com o chapéu de plumas", o que parece indicar que, para Walser, a viagem de balão é uma espécie de estímulo e confirmação de sua tendência deambulatória anterior e primordial - ainda há muito terreno a ser percorrido. E o final aberto: "o voo segue sempre adiante, o sol magnífico enfim surge, e, atraído por esse astro orgulhoso, o balão dispara rumo a alturas mágicas e atordoantes. A moça solta um grito de medo. Os homens riem".
Robert Walser. "Viagem de balão". Absolutamente nada e outras histórias. Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Editora 34, 2014, p. 22-24.