Qual Hegel é nosso ponto de referência? Tanto Lukács quanto os teóricos da lógica do capital não se referem à leitura (errada) "subjetivista-idealista" de Hegel, à imagem de Hegel como o "idealista absoluto" que afirmou que o Espírito é o verdadeiro agente da história, sua substância-sujeito? Nesse contexto, o capital pode parecer de fato uma nova encarnação do Espírito hegeliano, um monstro abstrato que se move e se medeia, parasitando a atividade de indivíduos que existem realmente. É por isso que Lukács também é idealista demais ao propor simplesmente substituir o Espírito hegeliano pelo proletariado como objeto-sujeito da história: aqui, Lukács não é hegeliano, mas um idealista pré-hegeliano.
Ficamos tentados a falar da "inversão idealista de Hegel" em Marx: ao contrário de Hegel, que sabia muito bem que a coruja de Minerva só levanta voo no crepúsculo, depois do fato, isto é, que o pensamento segue o ser (e é por isso que, para Hegel, não pode haver noção científica do futuro da sociedade), Marx reafirma a primazia do pensamento: a coruja de Minerva (a filosofia contemplativa alemã) deveria ser substituída pelo cacarejar do galo gaulês (o pensamento revolucionário francês), que anuncia a revolução proletária; no ato revolucionário proletário, o pensamento precederá o ser. Portanto, Marx vê no tema da coruja de Minerva um indício do positivismo secreto da especulação idealista de Hegel. Este deixa a realidade como é.
(Slavoj Zizek, Vivendo no fim dos tempos. Trad. Maria Beatriz de Medina. Boitempo, 2012, p. 183)