1) Em 1986, Alan Pauls publica um livro sobre Manuel Puig: Manuel Puig. La traición de Rita Hayworth, simples assim. Ainda escreverá mais dois livros de crítica [por enquanto], um sobre o desenhista Lino Palacio e outro sobre Borges. E Puig continuará sendo sempre citado e lembrado, ainda que isso não repercute diretamente sobre o estilo de Pauls ou sobre suas prioridades estéticas. Há, contudo, uma infiltração subterrânea, enigmática, que faz com que alguns elementos de Puig sobrevivam nos textos de Pauls.
2) Puig publica The Buenos Aires affair em 1973, e sua história, em linhas gerais, é mais ou menos assim: trama noir, caso policial e história de amor são os eixos principais, em uma mistura de Hitchcock e Freud; uma mulher desaparece, uma artista plástica de vanguarda; essa artista, descobrimos em seguida, é masoquista, e mantém um relacionamento "doentio e perturbador" com um crítico de arte [a grande autoridade das artes plásticas portenhas], que é, por sua vez, um homossexual reprimido [e impotente] que extravasa sua angústia a partir do sadismo. De forma mais ou menos velada, Puig articula o rapto da artista com os raptos da ditadura militar, assim como relaciona a violência estúpida do crítico às práticas de tortura dos militares.
2a) Um extenso desvio, para não perder a oportunidade: lembrar daquela cena de violência sexual no banheiro do tradicional Colégio Nacional, de Buenos Aires, que encontramos em Ciências morais, de Martín Kohan: o supervisor, ex-militar e ex-torturador [ex?], finalmente avança sobre a professorinha, que aterroriza de forma insidiosa desde o começo da trama. O torturador de Kohan é tão sádico e impotente quando o crítico de arte de Puig, e ataca a professora com os dedos da mão. Podemos lembrar também da cena do espancamento do taxista pelos críticos literários, em 2666 [e já que entramos em Bolaño, podemos lembrar do excelente conto "Sabios de Sodoma", da coletânea El secreto del mal, que trata justamente da violência sexual dos "machos" latino-americanos].
3) Ao contrário da escrita de Puig, que é errática, salteada, convulsiva, cheia de interpolações e impurezas, a escrita de Pauls é detalhista, controlada, segue um fluxo extremamente rigoroso, apropriando-se progressivamente do espaço que almeja. No entanto, as melhores partes de El pasado, a obra-prima de Pauls, aquelas dedicadas ao artista plástico Riltse, talvez não tivessem sido realizadas sem Puig. Mesmo que camuflada pela mudança de estilo, a atmosfera é a mesma: performances desviantes, violência sexual e política, criação artística atravessada pelo sofrimento físico e pela loucura, etc [nessa linha, é também possível dizer que muito de Mario Bellatín não seria legível sem Puig].
2a) Um extenso desvio, para não perder a oportunidade: lembrar daquela cena de violência sexual no banheiro do tradicional Colégio Nacional, de Buenos Aires, que encontramos em Ciências morais, de Martín Kohan: o supervisor, ex-militar e ex-torturador [ex?], finalmente avança sobre a professorinha, que aterroriza de forma insidiosa desde o começo da trama. O torturador de Kohan é tão sádico e impotente quando o crítico de arte de Puig, e ataca a professora com os dedos da mão. Podemos lembrar também da cena do espancamento do taxista pelos críticos literários, em 2666 [e já que entramos em Bolaño, podemos lembrar do excelente conto "Sabios de Sodoma", da coletânea El secreto del mal, que trata justamente da violência sexual dos "machos" latino-americanos].
3) Ao contrário da escrita de Puig, que é errática, salteada, convulsiva, cheia de interpolações e impurezas, a escrita de Pauls é detalhista, controlada, segue um fluxo extremamente rigoroso, apropriando-se progressivamente do espaço que almeja. No entanto, as melhores partes de El pasado, a obra-prima de Pauls, aquelas dedicadas ao artista plástico Riltse, talvez não tivessem sido realizadas sem Puig. Mesmo que camuflada pela mudança de estilo, a atmosfera é a mesma: performances desviantes, violência sexual e política, criação artística atravessada pelo sofrimento físico e pela loucura, etc [nessa linha, é também possível dizer que muito de Mario Bellatín não seria legível sem Puig].