A situação que inicia e encerra Os lados do círculo, de Amílcar Bettega Barbosa: um grupo de pessoas se encontra durante a noite em Porto Alegre, cada uma descendo em silêncio de uma rua diferente, cada uma segurando um objeto diferente, caminham juntas em silêncio. Na beira do rio Guaíba, na areia, depositam seus objetos, fazendo arranjos que são sempre diferentes e que permanecem ali, até o dia seguinte, até o sol nascer, até que alguém os retire dali. As pessoas abandonam seus objetos e voltam para suas casas. Esse é um culto surrealista do objeto anacronizado e ressignificado: a) Remete a Lautréamont (que está na epígrafe) e seu verso sobre a máquina de costura e o guarda-chuva sobre uma mesa de dissecação (apropriado mais tarde por Breton) b) Remete ao acaso proliferante de Duchamp e dos ready-mades c) O lance de dados de Mallarmé d) Cortázar no conto “O outro céu” – que usa Lautréamont como personagem e materializa, com a imagem das Passagens (Arcadas, Galerias) urbanas, o trânsito geográfico, cultural e temporal e) Cortázar é, inclusive, “autor” de um dos contos de Os lados do círculo, deixado em um envelope, capturado por Amaro Barros, que também tem seu conto (e participa do arranjo no rio Guaíba...), onde explica tudo. Um arranjo de objetos na beira de um rio em Porto Alegre é o suficiente para lembrar que o tempo, mais do que um ilusão, é uma ferramenta ficcional que o senso comum tende a sacralizar. O tempo, portanto, é profanado em Os lados do círculo (e em muitos outros, evidentemente).
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