Quando Tomás, o espião-marido, retorna depois de muitos anos (agora conhecedor da trama enganosa que o empurrou ao seu destino, de certa forma), vai procurar um antigo professor para saber até que ponto este esteve envolvido no engano. Tomás relembra Eliot nesse encontro, resgatando os versos que leu pela primeira vez tantos anos antes, na livraria, no seu primeiro encontro com um "agente secreto".
Diz Tomás acerca dos versos de Eliot: eu tinha lido por casualidade fragmentos, saltando, não inteiro. Agora faz tempo que sei de cor de alto a baixo (p. 420). De certa forma subterrânea, o conhecimento aprofundado dos versos de Eliot acompanha a própria trajetória do protagonista: vive a própria vida e, em paralelo, costura a própria vida aos versos de Eliot que o acompanham desde o início. Há uma sutil e decisiva aproximação entre leitura e vida, entre experiência (de vida) e "saber de cor" (o texto de Eliot).
Diz Tomás acerca dos versos de Eliot: eu tinha lido por casualidade fragmentos, saltando, não inteiro. Agora faz tempo que sei de cor de alto a baixo (p. 420). De certa forma subterrânea, o conhecimento aprofundado dos versos de Eliot acompanha a própria trajetória do protagonista: vive a própria vida e, em paralelo, costura a própria vida aos versos de Eliot que o acompanham desde o início. Há uma sutil e decisiva aproximação entre leitura e vida, entre experiência (de vida) e "saber de cor" (o texto de Eliot).
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O uso que Marías faz de Eliot em Berta Isla faz pensar, vagamente, na aparição de Charles Baudelaire no Gattopardo de Tomasi di Lampedusa (romance publicado postumamente em 1958 pela Feltrinelli, depois de duas rejeições - Mondadori e Einaudi). Voltando para casa à noite depois de uma visita a uma prostituta, Dom Fabrizio se lamenta: que tristeza: aquela carne jovem já tão manuseada, aquele despudor resignado. E ele mesmo, o que era? Um porco, nada mais. Veio-lhe à mente um verso que havia lido por acaso numa livraria de Paris, folheando um volume de não sabia mais quem, um daqueles poetas que a França desenfornava e esquecia a cada semana. Esse detalhe, do resgate involuntário de um poeta sem nome, é ainda mais intensificado quando se descobre que se trata de Baudelaire (informação dada em nota). Lampedusa continua: revia a pilha amarelo-limão dos exemplares não vendidos, a página, uma página par, e reouvia os versos que estavam ali, encerrando um poema extravagante: Seigneur, donnez-moi la force et le courage / de regarder mon coeur et mon corps sans dégoût! (versos do poema "Viagem a Citera", de As flores do mal).
(Giuseppe Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, trad. Maurício Santana Dias, Cia das Letras, 2017, p. 29)
Ainda que os versos de Baudelaire não sejam requisitados ao longo do romance como são os versos de Eliot por Marías em Berta Isla, é possível dizer que sua presença simbólica ecoa ao longo da narrativa (como faz Eliot no romance de Marías): afinal de contas, como Dom Fabrizio já anuncia no início do romance, a dissolução de seu corpo e sua vitalidade espelha a dissolução de um Reino, de uma família, de uma sociedade, de um conjunto de costumes (é preciso ter força, como escreve Baudelaire, para observar essa derrocada sem desgosto). Outro detalhe é fundamental: a presença divina é solicitada e, ao mesmo tempo (como é recorrente em Baudelaire), diminuída, escarnecida; em o Gattopardo o gesto permanece.