sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Tipos de caráter

As últimas cartas trocadas por Cortázar e Alejandra Pizarnik mostram uma espécie de cabo de guerra, de disputa de um campo que, aparentemente, se mostra heterogêneo mas que, tendo em vista a conclusão da batalha, guardava em si uma fronteira muito nítida: a fronteira entre vida e morte. Apesar das palavras de Cortázar (yo te quiero viva, burra, y date cuenta que te estoy hablando del lenguaje mismo del cariño y la confianza), ou talvez justamente por conta delas, a escolha de Pizarnik a levou ao extremo oposto do campo disputado. Sabendo da relação que ela mantinha com a psicanálise, é possível relembrar a frase de Freud em Alguns tipos de caráter encontrados na prática psicanalítica, de 1916: às vezes, a culpa precede e prepara o crime.
*
Parte do sentimento que ocorre àqueles que ficam depois do suicídio de um amigo está registrado por Natalia Ginzburg em um dos ensaios/relatos de seu livro As pequenas virtudes. Trata de Cesare Pavese, embora seu nome não seja citado (mas seus poemas sim). Pavese morreu em 1950; Pizarnik em 1972. Natalia Ginzburg fala do jeito afastado do amigo, das vezes em que aparecia na sua casa, sentava em uma poltrona e lá ficava, mudo, sem responder às perguntas, até sair de repente, bufando, entediado. Ela escreve do amigo: "Dizia já conhecer sua arte tão a fundo que ela não lhe oferecia mais nenhum segredo: e, não lhe oferecendo mais segredos, não o interessava mais. Ele nos dizia que até nós, seus amigos, já não tínhamos segredos para ele, e que o entediávamos infinitamente; e nós, mortificados por entediá-lo, não conseguíamos dizer que víamos muito bem onde é que ele errava: em não querer dobrar-se e amar o curso cotidiano da existência, que prossegue uniforme e aparentemente sem segredos" (Natalia Ginzburg, "Retrato de um amigo", As pequenas virtudes, trad. Mauricio Santana Dias, Cosac Naify, 2015, p. 31).  

domingo, 25 de novembro de 2018

Werther, Tolstói

Toda a nossa arte consiste em conseguir (ter tempo de) contrapor a cada resposta que ainda não desvaneceu nossa pergunta. Justamente esse saltar das respostas por cima de nós é a inspiração. E quantas vezes ela é uma folha em branco!
Alguém lê Werther e se dá um tiro. Outro alguém lê e porque Werther se mata com um tiro resolve viver. Um agiu como o personagem, outro como Goethe. Lição de suicídio? Lição de autodefesa? Tanto uma como outra. Devido a certa lei de sua vida, Goethe tinha que atirar em Werther, o daimon suicida de uma geração tinha que ser encarnado pela mão do próprio Goethe.

(...)

No apelo de Tolstói para suprimir a arte, são importantes os lábios que o pronunciam: se não tivesse vindo de tão estonteante altura artística, se a chamar-nos tivesse sido qualquer um entre nós, nem teríamos voltado a cabeça.
Na luta de Tolstói contra a arte, o que importa é Tolstói, o artista. Ao artista perdoamos o sapateiro (sabe-se que Tolstói fabricava seus próprios sapatos - N. T.). Guerra e paz não pode ser apagada de nosso comportamento. É indelével. É irremediável. Com o artista consagramos o sapateiro. O que nos seduz na luta de Tolstói contra a arte é, mais uma vez, a arte.

(Marina Tsvetáeva, O poeta e o tempo, trad. Aurora Bernardini, Âyiné, 2017, p. 139; 142)

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Tradutores


Dostoiévski, tradutor de Balzac (Eugénie Grandet, 1844)

Baudelaire, tradutor de Edgar Allan Poe (Histoires extraordinaires, 1852)

Freud, tradutor de Charcot (Lições de terça-feira, 1888, 1894)

Auerbach, tradutor de Vico (Die neue Wissenschaft über die gemeinschaftliche Natur der Völker, 1924)

Samuel Beckett, tradutor de James Joyce (Anna Livia Plurabelle para o francês, 1931)

Borges, tradutor de Faulkner (Las palmeras salvajes, 1940)

Martin Heidegger, tradutor de Heráclito (Heráclito, 1943-1944)

Roger Caillois, tradutor de Borges (Fictions, 1951)

Derrida, tradutor de Edmund Husserl (A origem da geometria, 1962)

Vladimir Nabokov, tradutor de Púchkin (Eugene Onegin, 1965)

Sergio Pitol, tradutor de Gombrowicz (Cosmos, 1969)

Edward Said, tradutor de Auerbach (Philology and "Weltliteratur", 1969)

Juan Rodolfo Wilcock, tradutor de William Carlos Williams (Nelle vene dell’America, 1969)

Sergio Pitol, tradutor de Joseph Conrad (El corazón de las tinieblas, 1974)

Antonio Tabucchi, tradutor de Fernando Pessoa (Una sola moltitudine, 1979)

Danilo Kiš, tradutor de Raymond Queneau (Stilske Vežbe, 1986 - Exercícios de estilo).

César Aira, tradutor de Jan Potocki (Manuscrito encontrado en Zaragoza, 2001)