1) Como visto já em A música de uma vida, de Andrei Makine, a ideia do esconderijo ocupa uma posição de destaque no universo totalitário - é o espaço de resistência por excelência e,
simultaneamente, a imagem mais bem-acabada do medo, da fuga, da
impossibilidade de seguir adiante. O homem do subterrâneo de Dostoiévski ganha outra dimensão, amplia seu pesadelo solipsista em direção a uma tragédia global, inabarcável, irrepresentável.
2) Em Libertação, de Sándor Márai, o drama se passa quase que inteiramente dentro de um porão - um esconderijo com dezenas de pessoas amontoadas, compartilhando odores, dejetos e a espera. Os russos estão chegando a Budapeste - trazendo a ainda desconhecida e amarga "libertação". Os alemães estão encurralados e podem decidir metralhar a todos antes da retirada.
3) A agonia do esconderijo, sua carga ambivalente - morte e libertação sempre em paralelo, junto com a incerteza e a esperança. "Não se pode olhar dessa forma para as pessoas. Os animais vivem melhor", fala Erzsébet, a protagonista de Márai: "Agora sinto que algo está acontecendo. Não sou bolchevique, mas sinto, entende? Sinto com meu corpo que os russos vão trazer algo, que vamos sair, o senhor e eu, e todos os outros, judeus, cristão, proletários, senhores, vamos sair dos porões, vamos voltar para a superfície da Terra, e tudo será melhor".
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