1) Edward Said sempre insistiu no múltiplo pertencimento como signo distintivo - aquilo que lhe permitia circular por variadas tradições, línguas e geografias, mas que também lhe oferecia boa dose de angústia, tensão e dissenso. É por esse critério que Said também organiza suas leituras: as primeiras produções teóricas em torno de Conrad (a troca de idiomas, a movimentação entre Oriente e Ocidente), a fidelidade inexorável com relação aos exilados Lukács, Auerbach e Adorno.
2) Variados são os caminhos que levam à emergência do múltiplo pertencimento como signo distintivo: a profissionalização do discurso etnográfico anterior à I Guerra Mundial, a transfiguração inaudita que esse mesmo discurso sofreu no entre-guerras e, finalmente, a dispersão forçada e maciça dos corpos no pós-II Guerra. É essa dispersão - que tanta ênfase vai dando, progressivamente, ao múltiplo pertencimento - que engendra as brilhantes ficções de Beckett, Nabokov ou Danilo Kis.
3) Na face complexa do contemporâneo, no entanto, o múltiplo pertencimento é uma vertente. Grandes escritores em atividade são insistentes em suas restrições de campo, temática e geografia - basta pensar em Cormac McCarthy, Paul Auster ou Philip Roth (todos incrivelmente distantes da fragmentação ontológica radical das ficções de Charles Simic, Bellatin ou Gonçalo Tavares). Não se trata de saber qual vertente é a melhor e sim de perguntar que procedimento de escrita faz ver, denuncia, atualiza ou traduz, seja o deslocamento, seja a suspensão.
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