1) Um ponto decisivo de aproximação entre Agamben e Lerner está exposto pelo primeiro na segunda seção da segunda parte de A comunidade que vem (seção intitulada "O irreparável"): Agamben afirma que muitas confusões em filosofia nascem da confusão entre "a mesma coisa" (idem) e "a própria coisa" (ipsum). Para Agamben, o pensamento se ocupa da "própria coisa" e não da "identidade", da aproximação sem resíduos oferecida pelo idem. A "própria coisa", escreve Agamben, não é uma "outra coisa" que transcendeu a coisa, mas também não é simplesmente a "mesma coisa". A coisa, nessa situação, força um deslocamento em direção a ela própria, em direção ao seu ser tal qual é.
2) Com essa argumentação em mente (Agamben declara logo no início de "O irreparável" que a seção é toda um comentário do § 9 de Ser e Tempo, de Heidegger, e da proposição 6.44 do Tractatus de Wittgenstein), é possível retomar a epígrafe de 10:04 por uma nova ótica: "tudo igual, só um pouco diferente", para além da parábola de Benjamin/Scholem/Bloch, seria também um comentário à relação entre o idem e o ipsum, entre "a mesma coisa" e a "própria coisa". Trata-se, no romance, de multiplicar futuros possíveis que sejam não idênticos, mas deslocamentos da coisa em direção a ela própria, já que não se trata de uma investigação (romanesca, ficcional) sobre a "identidade" (idem), mas sobre as potencialidades infinitas da "coisa" (da própria literatura ou, ainda, do próprio da literatura).
3) A cada vez que o romance tenta ser ficção ou literatura, fracassa e inicia novamente, carregando consigo, na repetição, a tentativa frustrada do passado. A atualização da tentativa, portanto, em 10:04, é o modo da narrativa mostrar como tudo pode ser igual, apenas um pouco diferente: não se trata de definir uma essência, mas de jogar com possibilidades; não se trata de possessão, mas de limites; não se trata de pressupostos, mas de exposições.
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