1) Outro aspecto sobre o uso compartilhado de Benjamin por parte de Ben Lerner e Giorgio Agamben (de um lado, o romance 10:04, de outro, o livro A comunidade que vem) diz respeito à relação que ele, Benjamin, estabelece entre duas figuras literárias do início do século XX: Franz Kafka e Robert Walser. Em A comunidade que vem, Agamben recorre aos dois escritores para falar do "limbo", da suspensão, da instabilidade de qualquer posição de certeza: Walser cria personagens extraviados, para além da perdição e da salvação; e na seção VIII do livro, intitulada "Demoníaco", Agamben aproxima os dois: Kafka e Walser nos apresentam um mundo de onde o mal na sua suprema manifestação tradicional, o demoníaco, desapareceu.
2) Escreve Lerner no início da quarta seção de 10:04, quando o narrador chega em uma residência literária no Texas: "Eu me sentia um fantasma no híbrido verde, dirigindo lentamente por Marfa naquela escuridão. Era a minha primeira noite ali: Michael, o encarregado das casas da residência literária, que também era pintor, me pegara no aeroporto de El Paso naquela tarde e me levara num silêncio cordial durante três horas através do alto deserto" (p. 181). (essa auto-representação do narrador como fantasma o aproxima não apenas do limbo de Kafka e Walser tal como pensado por Agamben, mas também de toda a discussão que faz Cristina Rivera Garza sobre Rulfo, o deserto e Comala como limbo em seu livro Había mucha neblina o humo o no sé qué).
3) É possível ainda comentar que a parábola que Benjamin escuta de Scholem e conta para Bloch (resgata por Agamben e, depois, utilizada como epígrafe por Ben Lerner em 10:04) é retomada e reutilizada por Benjamin em seu ensaio sobre Kafka: a parábola não aparece exatamente, mas o tema messiânico está no ensaio, bem como a ideia de uma repetição do mundo que envolva uma leve diferença, uma leve mudança.
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