quinta-feira, 11 de julho de 2024

Viagem à Lua


1) No fragmento de número 106 do seu livro Sobre a certeza, Wittgenstein apresenta o breve relato de uma criança que escuta de um adulto que este viajou à Lua. O ponto central da fábula de Wittgenstein é que ele precisa convencer a criança que é impossível viajar à Lua: ela está muito distante, não é possível voar até ela e assim por diante. Todo o nosso sistema da física nos impede de acreditar nisso, escreve Wittgenstein, acreditar que é possível ir à Lua. Ele elenca impossibilidades: a força da gravidade, a falta de atmosfera. 

2) Sobre a certeza foi o último esforço filosófico de Wittgenstein. As anotações começam em 1949 e vão até 1951, ano de morte de Wittgenstein. Ele escreveu parte das notas entre abril de 1950 e fevereiro de 1951, quando morou em Oxford, na casa de sua aluna e futura editora Gertrude Anscombe (que será uma das responsáveis por Sobre a certeza depois da morte do filósofo). A última anotação de Wittgenstein é do dia 27 de abril de 1951 (ele havia feito aniversário no dia anterior, 26 de abril, 62 anos). Ele morre dois dias depois, na casa do seu médico, Edward Bevan (foi para a esposa deste, Joan, que Wittgenstein disse suas últimas palavras: Tell them I've had a wonderful life).

3) Wittgenstein, que gostava muito de ir ao cinema (e sentar na primeira fila, como informa o biógrafo Ray Monk), talvez tenha visto Viagem à Lua, de Méliès. Outro aspecto interessante na relação de Wittgenstein com uma (possível, impossível?) viagem à Lua é sua formação como engenheiro: ele chega à Victoria University of Manchester em 1908 com a intenção de estudar, entre outras coisas, aeronáutica. De certa forma, quando ele conta a fábula da criança em Sobre a certeza, não oferece um comentário exclusivamente da posição de filósofo, mas também - ainda que indiretamente - da posição de engenheiro (trata-se, para ele, também de uma impossibilidade mecânica: como voar até lá, que tipo de propulsão seria necessária, etc).   

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