1) Ainda no fragmento de número 106 do seu livro Sobre a certeza, no qual Wittgenstein apresenta o breve relato de uma criança que escuta de um adulto que este viajou à Lua, é possível observar ainda outros dois elementos dignos de nota: a criança insiste e diz a ele (diante do argumento de que é impossível chegar à Lua) que pode existir um modo de chegar lá; diante disso, Wittgenstein apresenta duas possibilidades para que isso (a viagem à Lua) aconteça: adultos que pertençam a uma "tribo" que tem entre suas crenças a crença de que pessoas às vezes vão até a Lua, acrescentando ainda que isso pode ocorrer em seus sonhos.
2) Na conversa hipotética com a criança, portanto, Wittgenstein fala de "tribos" e de "sonhos", ou seja, em certo sentido, de experiências "arcaicas" da comunidade e da natureza e, em paralelo, da emergência do inconsciente e de seus processos e estratégias. Nisso tudo também é possível ver um pano de fundo de questões levantadas por Wittgenstein em outros momentos: em 1931, Wittgenstein começa a escrever Observações sobre O Ramo de Ouro de Frazer (que sairá só depois de sua morte, em 1967); alguns anos depois, em 1938, em Cambridge, Wittgenstein monta um curso sobre estética para um grupo pequeno de estudantes - nessas aulas, vai comentar suas leituras de Freud, especialmente no que diz respeito às interpretações de sonhos.
3) Um dos alunos desse pequeno grupo em Cambridge era Rush Rhees, amigo de Wittgenstein que, mais tarde, organizará, a partir de suas anotações, o ensaio "Conversations on Freud" (que pode ser encontrado no livro realizado, postumamente, a partir das notas feitas no curso de 1938). Ray Monk, biógrafo de Wittgenstein, conta que, em 1942, o filósofo vai visitar o amigo em sua casa depois de uma operação (extração de um cálculo biliar: por desconfiança dos médicos ingleses, Wittgenstein não quis tomar anestesia geral e acompanhou toda a operação utilizando um espelho); apesar de, nessa época, estar trabalhando com filosofia das matemáticas, as conversas de Wittgenstein com Rhees são sobre Freud e a interpretação dos sonhos (assim como Freud, Wittgenstein usava os próprios sonhos como material de discussão).
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