domingo, 25 de setembro de 2022

Palermo, 1862



1) Leio mais um dos tantos projetos característicos de Leonardo Sciascia: I pugnalatori, "os apunhaladores", um livrinho de 1976 sobre um caso jurídico de 1862: em Palermo, 13 pessoas são apunhaladas nas ruas quase que de forma simultânea. Um dos apunhaladores é seguido e capturado; depois de dois dias decide confessar os detalhes e entregar seus cúmplices, até mesmo o mandante: um homem rico e poderoso, Romualdo Trigona, príncipe de Sant'Elia, senador do Reino. Sciascia mescla os registros de estilo e gênero, como de hábito: narrativa detetivesca, investigação histórica, trabalho de arquivo, especulação filosófica...

2) Na "nota do autor" que fecha o volume, Sciascia escreve que um de seus objetivos é que o livro interesse às pessoas sobretudo por sua "relação com as coisas de hoje", indiretamente reverberando a ideia de Croce (e depois de Hayden White) de que toda história é "história contemporânea". Em vários momentos ao longo do relato Sciascia faz referência à situação política da Itália no momento, especialmente à estratégia "de tensão" e de "exasperação dos extremismos" (que culminará dois anos depois no affaire Aldo Moro, a respeito do qual Sciascia também escreveu - por isso a importância de I pugnalatori, que de certa forma mostra a preparação do terreno para a obra futura). 

3) Um dos pontos principais do relato diz respeito à falta de equilíbrio da "justiça" diante dos pobres (os apunhaladores) e do rico, do príncipe (que seria o mandante). Esse mistério insolúvel - o príncipe foi, de fato, o mandante? estava atuando no interior do governo visando um "golpe", uma restauração bourbônica - é "como um vértice, uma sublimidade, uma apoteose do jogo duplo", escreve Sciascia, tocando com isso um tema que compartilha (entre tantas outras coisas) com Borges: o mistério de Judas ser tão necessário para a eficácia da ficção quanto Jesus; o tema "do traidor e do herói" como especulação sobre a metamorfose dos pontos de vista e dos discursos ao longo da história ("muitos secretos conspiradores do passado estão imortalizados nas placas comemorativas como artífices do Risorgimento", escreve Sciascia).

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