domingo, 29 de novembro de 2020

Retorno a Reims


1) Didier Eribon publica em 2009 um livro incrível, um híbrido de autobiografia e estudo sociológico, Retorno a Reims, motivado pela morte do pai, a quem não via há anos (Eribon disseca suas origens operárias e seu esforço de rompimento com a "vida determinada" que lhe parecia destinada). Além de evocar indiretamente tantos outros textos sobre a morte/vida dos "pais" (da carta de Kafka ao Patrimônio de Philip Roth, passando pelos espectros de Marx em Derrida), Eribon cita e trabalha a partir de vários nomes e textos, costurando-os ao seu próprio percurso pessoal: Foucault, Deleuze, Sartre, Dumézil, Lévi-Strauss e, com ênfase especial, Annie Ernaux (de resto, a reivindicação do passado como componente da autorreflexão no presente feita por Eribon faz pensar no "passado prático" de Hayden White, estabelecido a serviço do "presente" como um "espaço de experiência").

2) Outro ponto de resgate fundamental no livro de Eribon é a figura de Foucault (biografado por Eribon em livro de 1989). Eribon comenta sua própria condição de sujeito "minoritário" e "estigmatizado", submetido à "violência discursiva e cultural", a partir da vivência e do pensamento de Foucault: "Entendemos por que, por exemplo, o clima que predomina nos primeiros textos de Foucault, ao longo dos anos 1950, no seu prefácio ao livro de Ludwig Binswanger O sonho e a existência de 1954 até a História da loucura, finalizado em 1960, é precisamente o da angústia, que exprime todo o vocabulário, que ele mobiliza com uma intensidade perturbadora, de exclusão, estranheza, negatividade, silêncio forçado e mesmo da queda e do trágico".

3) "Quando releio esses textos brilhantes e dolorosos de Foucault, que inauguraram sua obra", escreve Eribon, "reconheço neles algo de mim: eu vivi o que ele escreveu, e ele tinha vivido antes de mim, buscando um meio de escrever sobre isso. E vibro a cada página, ainda hoje, com uma emoção que vem do mais fundo de meu passado e do sentimento imediato de uma experiência compartilhada com ele. Sei até que ponto foi difícil para ele superar essas dificuldades. Ele tentou muitas vezes se suicidar. E caminhou durante muito tempo em um equilíbrio incerto sobre a linha que separa a razão da loucura. Ele saiu disso por meio do exílio (primeiro na Suécia), depois pelo trabalho paciente de um questionamento radical do discurso pseudocientífico da patologização médica" (p. 263-264).

Nenhum comentário:

Postar um comentário