1) Claudio Magris foi responsável por certa redescoberta da literatura centro-europeia, principalmente a partir dos anos 1960, 1970. Publicou Danúbio, sua obra-prima, em 1986. Dez anos depois, Microcosmos, seu parente menor. Microcosmos parece um exercício de livre associação: nenhuma informação está completa, nenhum personagem é delineado até o fim. O jogo da narrativa está em seus momentos de corte, quando uma cena torna-se a seguinte, quando uma lembrança pessoal torna-se o relato de um fato histórico, etc.
2) Magris circula pelos arredores de Trieste, e está em uma floresta na divisa da Iugoslávia com a Itália. "Nestes bosques pacíficos e apartados da história", ele escreve, "tecia-se, naqueles dias de guerra, uma intrincada rede de esperanças e mentiras, projetos de liberdade e planos de violência totalitária, espírito de sacrifício e de domínio predatório". Magris está falando do momento em que Josip Broz Tito deixou de ser um herói da resistência para tornar-se um ditador.3) Se fosse um livro de Sebald, talvez tivéssemos uma foto do quadro - mas com Magris não é o que acontece. Ele apenas nos conta sobre o quadro que encontrou, "um quadro anônimo cujo comitente, o Partido, jamais foi buscar, e que jaz num sotão de Ilirska Bristica". O quadro mostra Tito e um de seus principais dirigentes, Kardelj, depois de uma caçada: o urso morto está no chão, diante dos dois homens - "não parece morto", escreve Magris, "mas deleitosamente adormecido, e até imaginamos ouvir seu ronco". Magris fala dos olhos do animal: parecem estar entreabertos, como se estivessem espiando, "zombeteiros", o líder da caçada e da política. "O olhar correto sobre a História", completa Magris, "de esguelha e dissimulado".
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