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Teatro, de Bernardo Carvalho, é construído sobre um paradoxo: sua coesão interna ataca frontalmente a desordem presente na ação, no estilo e nos personagens. O texto é formado por duas partes que são contrárias, e essa dissonância não almeja uma resolução, muito pelo contrário, ela deseja permanecer incomodando. Bernardo Carvalho, a despeito de ser um escritor extremamente técnico, constrói uma narrativa que faz uma glosa incompleta de corpos incompletos. Sexualidade, linguagem, corporalidade: tudo está pela metade, ao mesmo tempo que está em excesso. Se fosse para dizer como Bataille (que está lá, junto com Sade), eu diria que há em Teatro uma negatividade sem emprego, que oscila na indeterminação do desejo dos personagens e na irresolução das derivas dramáticas (o nome dele era Ana C., começa uma das partes). Teatro pode ser lido ao lado de Copi, Genet (não o Genet de Sartre, mas o Genet reapropriado por Susan Sontag quando fala sobre o pornográfico), e toda a movimentação perversa de Carlos Wieder, principalmente no assassinato da equipe de filmagem, durante a realização do filme pornô (Estrela distante, de Bolaño). O personagem principal de Teatro, ao mesmo tempo que ocupa diferentes orifícios ao mesmo tempo, ocupa distintos corpos e distintas formas de subjetividade, que se articulam a partir de seu olhar para o mundo, que é constante, insone (como a objetiva de uma câmera).
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