segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O mago e o pequeno monge budista (cujo nome é Duchamp)

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1) Qualquer um dos livros de César Aira leva aos temas principais, às obsessões, dando uma ideia ao mesmo tempo precisa e difusa do todo. Mas, ao mesmo tempo, cada um dos livros é único em sua estranheza (começa do zero), em seu absurdo, em suas regras próprias - que retiram força do conjunto ao mesmo tempo em que se afastam dele. Acumular a leitura de tantos absurdos torna o procedimento familiar (Unheimlich), mas nunca esperado: sabe-se do golpe, ele é recebido com susto porque vem mesclado a uma história que é sempre única, atípica, estranha (e disso Aira nunca abre mão).
2) Há um francês que passeia pela Coréia, em O pequeno monge budista. O pequeno monge budista serve de guia a ele e sua mulher. No primeiro templo que visitam, o francês vê três outros monges: o primeiro é muito pequeno (a metade do tamanho de um homem normal, calcula o francês), o segundo tem a metade do tamanho do primeiro, o terceiro, como era de se esperar, tem metade do tamanho do segundo. Se um homem normal mede, digamos, um metro e setenta, o primeiro monge media 85 centímetros, o segundo media 42 centímetros e meio e o terceiro, finalmente, arredondando, 21 centímetros. Mas o francês garante: o seu monge budista é ainda menor, ainda mais autêntico, destacado de todos os outros. Diferença, reprodutibilidade, autenticidade, saberes alternativos, valoração crítica: essas são as questões em jogo em O pequeno monge budista (e, naturalmente, em todo o resto).
3) Em O mago, por exemplo: o sujeito trabalha como mágico e precisa esconder de seus colegas que tem, de fato, poderes mágicos. Seu trabalho é duplo: precisa lidar com a autenticidade rara e, logo em seguida, precisa escamoteá-la com o procedimento corrente. Sua verdadeira magia não teria o menor sentido. É invisível, como as caravelas para os índios.
4) Ou ainda, Duchamp no México: um argentino, passeando pelo México, compra o mesmo livro sobre Duchamp, compra vários exemplares do mesmo livro (é o mesmo, não é o mesmo, diferença, repetição), animado pelo câmbio favorável, e cada exemplar que encontra é um pouco mais barato que o anterior, oito pesos, dois pesos, cinco pesos. E, a cada compra, ele soma não o valor gasto com cada exemplar, como seria lógico (esperado), mas sim o valor economizado a cada exemplar: ele soma os pesos que separam um exemplar do anterior, em uma conta absurda que traveste o gasto contínuo como acumulação esquizofrênica.
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