"A liberdade grega era comunicada na indiferença, na inexpressividade do deus de pedra. Já a liberdade holandesa é comunicada na indiferença do tratamento das aparências em relação à vulgaridade dos temas. Mas esse tratamento 'indiferente' permite ver o conteúdo não vulgar, o conteúdo espiritual desses temas: a liberdade de um povo que deu a si próprio seu meio de vida e sua prosperidade e que pode, portanto, gozar com 'despreocupação' a paisagem que criou para si ao preço de muitas penas e se regozijar de modo desinteressado com a imagem desse universo produzido com engenho, assim como o menino se regozija com a pedra habilmente lançada ricocheteando na superfície da água.
Com efeito, a criança que lança seixos para dar à paisagem natural a aparência de sua própria liberdade é, para Hegel, a figura originária do gesto artístico, ela própria uma figura herdada da liberdade que Winckelmann via expressa no movimento indiferente das ondas.
Mas a liberdade da criança que atira seixos é também a liberdade que formou a si própria, deu-se um mundo próprio ao domar o mar e rechaçar o invasor. A liberdade holandesa exprime-se na arte moderna da pintura que pinta reflexos de luz e água sobre os trabalhos e os divertimentos populares, assim como a liberdade grega na arte clássica talhava a serenidade de seus deuses"
(Jacques Rancière, Aisthesis: cenas do regime estético da arte, trad. Dilson da Cruz, Ed. 34, 2021, p. 50)
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