terça-feira, 25 de maio de 2021

O ambiente hostil


1) Sloterdijk (ainda em Luftbeben: An den Quellen des Terrors, de 2002) comenta a passagem de paradigma que a guerra instaurou no século XX: o ambiente externo (a natureza, o ar, a atmosfera) já não é mais garantia de respiro e tranquilidade (como foi para Nietzsche, Heidegger ou Robert Walser, por exemplo), pelo contrário - com o envenenamento generalizado propiciado pelas tecnologias de guerra "profanadas" para uso civil, o ambiente é sempre hostil e o indivíduo se vê envolvido em um permanente esforço para construir ambiente artificiais que possam proteger, temporariamente, do ambiente externo.

2) Sob essas condições, o sistema imunológico se torna um assunto para debate: quando tudo pode ser "latentemente" contaminado e envenenado, escreve Sloterdijk, quando tudo é potencialmente enganoso e suspeito, nem a totalidade nem a possibilidade de "ser um Todo" podem ser inferidas das circunstâncias externas. A integridade não pode mais ser pensada como algo obtido por meio da devoção ao ambiente benevolente, mas apenas como o esforço individual de um organismo em se demarcar de seu ambiente. Isso abre caminho para um novo campo de pensamento, típico da contemporaneidade: a ideia segundo a qual a vida insiste menos em seu "ser-aí" por sua participação no todo e sim por sua estabilização via "autofechamento" e recusa seletiva de participação. 

3) Pouco antes dessas conclusões finais, Sloterdijk resgata um ensaio de 1936 de Elias Canetti, originalmente uma palestra em homenagem aos 50 anos de Hermann Broch. Entre as duas guerras, Broch desponta como o poeta de nossos tempos, escreve Canetti, o poeta atento à atmosfera, atento a essa mudança de paradigma de que fala Sloterdijk (que enfatiza, não só pelo conteúdo de sua exposição, mas também pela escolha formal no posicionamento de Canetti/Broch em seu próprio ensaio, como Canetti lê em Broch uma sensibilidade profética, uma atenção à hostilidade do ambiente que só seria deflagrada anos depois). Broch desnaturaliza a imediaticidade do ambiente, seu caráter ainda não-pensado, falando do "sonambulismo" que marca aqueles que ainda não reconhecem a hostilidade do meio. 

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