quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Augustus Rex


1) Lição de língua morta, o romance de Kusniewicz, é uma reflexão sobre o fim de um mundo determinado, específico (uma reflexão escrita depois do fato - da I Guerra Mundial - mas cuja narrativa se posiciona no processo de derrocada). O protagonista, um oficial do Exército do Império Austro-Húngaro (o mundo de Joseph Roth), vive seus últimas semanas de vida durante o período que também marca as últimas semanas de duração da guerra (e, por consequência, as últimas semanas de duração do Império). Trata-se, portanto, de uma alegoria em camadas, dentro da qual o destino individual do corpo do oficial espelha o destino do corpo coletivo, do corpo nacional).

2) Diante dessa derrocada, o que faz o protagonista? Ele aproveita sua posição privilegiada diante da destruição promovida pela guerra para coletar artefatos artísticos: estátuas, quadros, ícones religiosos russos, pratos de porcelana de Meissen e assim por diante. Nesse aspecto, a pulsão colecionadora do tenente faz pensar em Utz, de Bruce Chatwin, com a diferença que a coleção de Kaspar Utz se amplia muito mais no tempo e no espaço (as duas coleções, contudo, só existem por conta das guerras e das perseguições). 

3) O tenente de Lição de língua morta é convidado para comer na casa de um funcionário, o "superintendente de florestas" Szwanda: "de repente, um lampejo: o que é aquilo?", escreve Kusniewicz. "Aqui, uma tal maravilha? Meus olhos me enganam? Ali, na parte inferior da escada da varanda, desponta incrustado de lama e ração de frango, estampada com pés de galinha, um autêntico, absolutamente autêntico prato de Meissen". O tenente, maravilhado pela descoberta, se ajoelha no chão e analisa o prato: "encontra a confirmação daquilo que já sabia: uma data, sim, há inclusive uma data: 1713, e ao lado, gravadas na porcelana, as letras A. R., Augustus Rex, naturalmente!".

Nenhum comentário:

Postar um comentário