segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Luz e sombra, Thomas Mann

Como investigador das profundezas e psicólogo dos impulsos, Freud se encaixa inteiramente na série de escritores dos séculos XIX e XX que se opõem ao racionalismo, ao intelectualismo, ao classicismo, numa palavra, àquela crença no espírito própria ao século XVIII e também ainda ao século XIX; escritores que, na condição de historiadores, filósofos, críticos da cultura ou arqueólogos, acentuam, cultivam e realçam cientificamente o lado noturno da natureza e da alma como sendo aquilo que é no fundo determinante para a vida e criador de vida, defendendo de modo revolucionário o primado de tudo o que é pré-espiritual, divinamente terrestre, a "vontade", a paixão, o inconsciente ou, como diz Nietzsche, o "sentimento" perante a "razão".

A palavra "revolucionário" aparece aqui num sentido paradoxal, inverso à lógica costumeira, pois, enquanto estamos habituados a ligar o conceito de revolucionário àqueles poderes da luz e da emancipação da razão, à ideia de futuro, portanto, aqui mensagem e apelo vão na direção inteiramente oposta, a saber, na direção do grande retorno do lado noturno, ao sagrado-primordial, ao pré-consciente prenhe de vida, ao seio materno mítico-histórico-romântico.

(Thomas Mann, "O lugar de Freud na história do espírito moderno", Pensadores modernos. trad. Márcio Suzuki, Zahar, 2015, p. 19).

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A argumentação de Thomas Mann em sua leitura de Freud - que é de 1929 - faz pensar em certos aspectos da leitura que Todorov faz de Goya, especialmente a ideia do "conceito de revolucionário" ligando-se ao "grande retorno do lado noturno" (comentei Todorov e Goya aqui). Esse paradoxo - o encontro do "progresso", da "razão", com o "retorno do lado noturno" - é também um dos elementos que caracterizam aquilo que Edward Said chama de "estilo tardio", no livro de mesmo nome que, não por acaso, lida intensamente com Adorno e Mann, além de comentar também Goya, Nietzsche e Freud. 

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