quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Portas abertas

Se em 1912+1, em forma de digressão, Sciascia apresenta uma de suas predileções narrativas - personagens que dedicam a vida à investigação de outros personagens e temas que são seus opostos -, em Portas abertas, uma novelinha publicada em 1987 (um ano depois de 1912+1, portanto), surge um personagem, "um pequeno juiz", que lhe serve mais uma vez como veículo para predileções. "Deixou de lado a leitura do Giuffredi", escreve Sciascia sobre seu pequeno juiz, "para procurar um outro livro de que subitamente se lembrara: de Pittè, acerca do culto pelas almas dos corpos degolados. Tinha uma verdadeira paixão para desenrolar, entre os seus livros e no seu pensamento, o fio de extemporâneas curiosidades. Desde que começara a ter alguma coisa a ver com os livros: razão pela qual os irmãos, que ficavam em cima dos livros com mais vontade e aplicação, consideravam-no uma espécie de vadio. Ele sabia, contudo que só tinha tido a ganhar, naqueles momentos ou dias perdidos; e, de qualquer maneira, sempre haviam sido motivo de prazer" (Leonardo Sciascia, Portas abertas, trad. Mário Fondelli. Rocco, 1990, p. 51, grifo meu).
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Portas abertas tem como assunto um julgamento por assassinato que ocorre no período do fascismo. O "pequeno juiz" recebe de um dos jurados uma gravura e a partir dela vai às leituras mencionadas (Giuffredi, Pittè). No fim do livro, quando o veredito já foi dado, o juiz visita o jurado em sua casa no campo. Eles conversam sobre livros: "Era como se estivesse ansioso para falar de livros, de escritores: de tão raro que era encontrar alguém com quem pudesse fazê-lo. E depois de admirar as gravuras de Rosaspina, deixando o livro: - Muito bonito: não deve ter passado desapercebido de Stendhal, em seu amor pelo Correggio. - Não, não creio: e se por acaso ele tiver mencionado a coisa em alguma carta, em alguma anotação, o nosso Trompeo deve estar a par disto..." (Portas abertas, p. 76). O mesmo Trompeo que Sciascia também cita em 1912+1, também em referência a Stendhal - desenrolando "o fio de extemporâneas curiosidades".   

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