Mark Tansey, A short history of modernist painting, 1982 |
1) É a partir da relação com Fliess que Freud coloca em circulação a teoria da sedução, a ideia de que todo trauma era gerado por uma cena real; e também foi com Fliess, na relação epistolar deles, que Freud aos poucos deixou de lado essa hipótese, observando que boa parte das cenas de trauma relatadas pelos pacientes eram fantasia, criação, delírio (abrindo os domínios da psicanálise à intervenção da ficção, como acontecerá também na dimensão da metapsicologia).
2) Tensa relação com Fliess - só sobraram as cartas enviadas por Freud, que queimou aquelas enviadas por Fliess (mas vários dos manuscritos anexados por Freud à correspondência se perderam, como foi o caso dos esboços sobre a dreckologia). O deslizamento teórico de Freud do "real" em direção à "fantasia" na teoria da sedução encontra eco também na relação dele com Fliess: o desenvolvimento da psicanálise como discurso passa por uma ficcionalização da posição de escuta e de interpretação, pois Fliess é tanto uma figura de autoridade (cuja aprovação é buscada por Freud) quanto uma escuta a ser seduzida, doutrinada, cultivada. "Você é meu amigo, meu confidente", escreve Freud em tantas cartas.
3) "Você é minha mulher", "você é meu mestre", comenta Lacan no seminário sobre as psicoses (1955-1956, tradução de Aluísio Menezes, Zahar, 1988, p. 310), ou seja, você é na medida em que eu permito que meu discurso possibilite que você seja, mas um discurso que só pode se sustentar ou se fundar a partir dessa referência ao outro. Montaigne: "Só falo dos outros para melhor falar de mim" ("Sobre a educação das crianças", Os ensaios: uma seleção, tradução de Rosa Freire d'Aguiar, Companhia das Letras, 2010, p. 88).
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