1) No ensaio "Heidegger e o nazismo" (em La potenza del pensiero), Giorgio Agamben conta que perguntou a Heidegger se ele havia lido Kafka - pouco, respondeu o mestre, mas havia ficado especialmente impressionado com o conto Der Bau, a toca, a construção. Um conto sobre a falência do projeto de domesticação, a falência da educação que visa a formação de novos construtores e zeladores (da tradição, dos costumes, das regras, das convenções). "Por fora é visível apenas um buraco", escreve Kafka, "mas na realidade ele não leva a parte alguma" (Um artista da fome / A construção. Tradução de Modesto Carone, Companhia das Letras, 1998, p. 63). Talvez mais do que a dissolução (a "liquidação" de Kertész e Bernhard), a ficção de Kafka trabalha com a suspensão, a aporia, o beco sem saída do humano.
2) Em um ensaio sobre o conto de Kafka, Márcia Schuback (tradutora de Ser e tempo para o português) relembra Heidegger e sua conferência intitulada "Bauen, Wohnen, Denken", construir, habitar, pensar (texto que está disponível aqui), que circula pelo mesmo campo semântico de Kafka - Der Bau, Bauen. Retorna aqui também toda a discussão de Peter Sloterdijk acerca da casa, do ser e da domesticação, da relação do homem com o animal como um complexo biopolítico - e, principalmente, o contato do ser com a linguagem através da clareira, esse espaço de emancipação e de iluminação. Porque também essa clareira é danificada por Kafka: sua construção deixa em suspenso tanto a entrada quanto a saída, a fuga e o retorno, o dentro e o fora.
3) Sempre é bom lembrar o exemplo paradigmático dado por Roberto Calasso em seu livro sobre Kafka, chamado simples e efetivamente de K. Calasso cita uma passagem de um caderno de 1922 (que está em Nachgelassene Schriften und Fragmente II): "A escrita se nega a mim", escreve Kafka. "Investigação e descoberta de elementos tão mínimos quanto possível. Com eles quero depois me construir. Como alguém que tem uma casa insegura e quer construir outra, segura, ao lado, com o material da antiga. Mas a coisa fica séria se, durante a construção, suas forças o abandonarem e então, em vez de uma casa insegura mas completa, ele ficar com uma casa semidestruída e outra pela metade, ou seja, com nada" (K., tradução de Samuel Titan Jr., Companhia das Letras, 2006, p. 25).
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