2) O diabo surge da terra como un gran zapallo, como uma abóbora, um fruto a ser colhido, repartido, compartilhado e consumido - como na cena da gravura do século XIII, presente em uma Bíblia judaica conservada na Biblioteca Ambrosiana de Milão, citada por Agamben no primeiro capítulo de O aberto, mostrando o banquete depois do Juízo Final, quando será servido o Leviatã aos convidados, cada um com uma coroa na cabeça, cabeças de animais por baixo das coroas. A irrupção do demoníaco - como em Grünewald ou Bulgakóv - serve também de ensejo para a criação de uma fábula sobre a irrealidade da realidade, com ênfase na capacidade de um determinado indivíduo de perceber tanto o fantástico quanto a capacidade desse fantástico de passar ignorado pelo restante do mundo (é o inframince duchampiano que Aira faz circular na ficção).
3) A aparição de Pillán, anjo caído, como abóbora, como "fruto da terra", faz parte daquela conexão alto/baixo, serpente/raio, de que fala Warburg no Ritual da serpente (a "aparição" deve necessariamente tomar as feições dos frutos da estação, daí a importância da conjunção astronômica e da crítica pós-colonial: onde e quando, exatamente, aparece esse demônio?). O dispositivo do demônio que sai da terra é também aquele que garante o inesperado da ficção: é impossível saber com certeza os desdobramentos desse "fruto", desse "dom" - como acontece com as pedras preciosas que vem das entranhas da terra em Leskov ("Alexandrita"), ou os corais das profundezas do oceano em Joseph Roth (O Leviatã, 1938).
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