Penso nos fios subterrâneos que ligam Tchékhov e Bruce Chatwin, na capacidade proliferadora da literatura, que de um elemento por vezes simples, banal, promove uma espécie de disparo rizomático virtualmente infinito. Em primeiro lugar, a vida breve de ambos - o que teriam escrito se tivessem vivido mais dez, vinte anos? Mais especificamente, o incrível trabalho de escritores-viajantes de ambos - no caso de Tchékhov, a ilha de Sacalina, esse pedaço inóspito de terra ao norte do Japão que ele vista em 1890.
O relato do russo faz pensar em O rastro dos cantos, de Chatwin, por uma série de razões: antes de mais nada, a coincidência de dois lugares utilizados como colônias penais, a Austrália pelos britânicos, a Ilha de Sacalina pelos russos. Outro detalhe que aproxima os dois projetos e a preocupação dos escritores-viajantes com a população originária - no caso de Chatwin, a vivência dos aborígenes é o que dá título ao livro; no caso de Tchékhov, uma parte considerável do seu relato gira ao redor das especificidades de ainos e guiliaques.
O fascínio com as colônias penais serve também para aproximá-los de uma figura intermediária, Kafka (Tchékhov morre em 1904, Kafka em 1924 e Chatwin nasce em 1940), outro viajante (embora mais comedido), outra figura do trânsito. A colônia penal é um dos tantos avessos monstruosos do projeto iluminista da colonização e da "civilização" dos espaços distantes (de resto, também Kafka se interessava, como os outros dois, pela experiência do outro, do nativo, do autóctone - basta pensar no conto "Wunsch, Indianer zu werden", já traduzido como "Desejo de ser índio" ou "O desejo de ser pele vermelha").
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