terça-feira, 11 de agosto de 2020

As cartas


1)
Em um texto sobre Bruce Chatwin (a introdução que escreveu a um livro reunindo fotografias de Chatwin), Roberto Calasso fala da amizade e da proximidade ao resgatar uma carta que Chatwin enviou a ele em fevereiro de 1986. Na ocasião, Chatwin estava lutando com as muitas versões possíveis do livro que seria O rastro dos cantos. Na carta para Calasso (e jamais saberemos até que ponto a afirmação é, também ela, um ato de amizade), Chatwin diz que A ruína de Kasch (livro que Calasso publicou em 1983) era seu modelo formal, por conta de seu uso do cut-up.

2) No mesmo livro que hoje reúne o ensaio sobre Chatwin (La follia che viene dalle Ninfe), Calasso também incorpora um ensaio sobre Elias Canetti. Aí existe outra carta, de 1973, quando Canetti responde a Calasso acerca de seu encontro com as Memórias de Schreber (em agosto de 1939 Canetti descobre o livro na estante de Anna Mahler e de imediato reconhece que é um dos livros da sua vida). Por conta do caos da guerra, o livro fica esquecido por nove anos - até ser lido com voracidade no fim da década de 1950 e incluído nas seções finais de Massa e poder, lançado em 1960.

3) A evocação da carta pessoal por parte do crítico: a repetição do tema por Calasso me fez pensar em uma passagem de um livro de Alberto Giordano, passagem que ficou na minha cabeça precisamente pela insistência na carta manuscrita (que faz pensar na tecnologia do envio, da filiação, operando em uma temporalidade radicalmente diversa): No ensaio "Uma profissão de fé", Giordano fala de sua amizade com César Aira e das "três ou quatro cartas muito extensas" que ele guarda do escritor, "verdadeiros ensaios epistolares", todas dedicadas a "refutar" seus posicionamentos críticos (o elogio aberto ao livro de Giordano sobre Manuel Puig, em 2001, já pertence ao presente e é feito em um breve e-mail).

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