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El Clarín, Revista Ñ, número 54, página 41. Entrevista de Carlos Alfieri com César Aira. 09.10.2004.
Alguns críticos o situam junto a Juan José Saer e Ricardo Piglia como referência da literatura argentina nos últimos 25 anos. Qual sua opinião sobre os outros dois escritores? Se tivesse que propor um trio distinto, quem citaria?
- Que pergunta difícil! Em primeiro lugar devo esclarecer que Saer e Piglia são dez anos mais velhos que eu e pertencem a outra geração, outra atmosfera, outro mundo. De fato, eu os lia quando jovem (bem, lia Saer; Piglia praticamente não li). Piglia é um escritor sério, um intelectual muito apreciado como professor.... enfim. Saer sim, li muito e o apreciei muito; é quase um clássico moderno argentino. Depois, fui me afastando de sua poética, e sei que ele não aprecia muito a minha. Saer também é um escritor sério... mas eu busquei outros modelos. Saer já não me atrai; com o tempo fui me afastando dessa postura séria, responsável com relação à sociedade e à história. Tive o privilégio de estar próximo, e às vezes de ser muito amigo, de três escritores que existiram na Argentina nesses últimos 25 ou 30 longos anos: Manuel Puig, Alejandra Pizarnik e Osvaldo Lamborghini. Achei os três geniais e foram modelos para mim, por motivos distintos, como modelos de vida, modelos de atitude... Às vezes tomamos um modelo e depois fazemos tudo ao contrário dele, mas o modelo segue atuando, talvez como contraste. Os três morreram jovens, os três deixaram seu mito, sua lenda, e os três me acompanharam sempre. Se buscamos um trio, proponho esse.
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Essa breve resposta é um início possível para uma reflexão sobre as relações de César Aira com Ricardo Piglia e Juan José Saer – sobretudo no esforço já bastante antigo que o primeiro fez para afastar-se (e de fato antagonizar) dos outros dois.
Já em 1981, em um artigo para a revista Vigencia intitulado “Novela argentina: nada más que una idea”, Aira traça um panorama daquilo que via como o arranjo contingente da literatura argentina contemporânea, comentando obras como Como en la guerra, de Luisa Valenzuela, e Flores robadas en los jardines de Quilmes, de Jorge Asís, passando também por Nadie nada nunca, de Saer, e Respiración artificial, de Piglia, que definiu como “uma das piores novelas de sua geração”.
O mais curioso desse cenário é que Aira só havia publicado um livro até o momento: Moreira, lançado em 1975, mais de cinco anos antes da publicação do ensaio. Seu segundo livro, Ema, la cautiva, sairia dois meses depois. Há um cuidado na construção do terreno, por parte de Aira, que precede em muitos anos a sua célebre enxurrada de invenção – os três, quatro lançamentos anuais que faz desde o início da década de 1990. Saer e Piglia definem um contexto que a literatura de Aira procura reduzir a nada, separando-os para a obsolescência. Primeiro a tomada de posição, depois a enxurrada. Primeiro o antagonismo, que fabrica uma demanda discursiva – tudo bem, é uma merda, e agora? – e depois o anacronismo frente à literatura que se define como sua contemporânea.
A pergunta de Aira não é aquela que insiste a literatura de Saer – como narrar? - e também não é a de Piglia – há uma história? –, a frase que abre Respiração artificial, a pergunta de Aira é como seguir em um relato até o fim e como seguir escrevendo depois do final. Por isso o automatismo e o retorno constante a aparatos que garantam a continuidade do narrado.
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