A segunda parte de Dublinesca é quase inteiramente voltada para o Bloomsday vivido em Dublin pelo editor Riba e seus amigos. A questão do grupo, cada indivíduo responsável por trazer um elemento distinto para a narrativa, é também muito presente em Dublinesca, assim como foi para a Historia abreviada – na criação da conjura por Duchamp e outros num porto africano – e também para Montano – as comemorações em Valparaíso, com Tongoy, a esposa e tantos outros. Mas Riba é sempre o centro e está sempre isolado, o que faz a segunda parte de Dublinesca girar numa chave monofônica, monolínguistica.
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No hotel em Dublin, Riba encontra uma maleta no quarto – a maleta de algum desconhecido. Esse desconhecido vai atrás da maleta (supõe Riba) e bate em sua porta de madrugada. Riba não abre e o estranho vai embora. O estranho é outro mote joyceano que sempre retorna em Dublinesca e que é muito interessante: uma referência ao estranho que aparece no enterro do sexto capítulo de Ulysses, que Bloom não sabe quem é – Vila-Matas repassa, através de Riba, a interpretação de Nabokov, ou seja, de que o estranho no enterro era o próprio Joyce. Nabokov chegou a essa conclusão baseado na teoria de Dedalus sobre Shakespeare, exposta no capítulo da biblioteca, teoria que afirma que Shakespeare sempre se retratava em todas suas peças.
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Dublinesca é mais uma contribuição de Vila-Matas ao pensamento do fim: agora que tudo foi finalizado, como prosseguir? Montano é o fim da literatura, Pasavento é o fim do autor – Dublinesca trata do fim da era Gutemberg, da era da imprensa, do livro impresso. Pasavento já trazia o Google e o e-mail como personagens fundamentais, e a coisa vai um pouco além agora. Riba passa noites em claro diante do computador e vai ficando cada vez mais apático. Mas ele não entende, não faz nada de diferente com esses dispositivos, com essa nova cognição. Ele só fica mais abatido, mais insone, mais sem-graça. Ressentido por um tempo que já passou, o tempo em que ele editava livros e buscava o seu gênio perdido, etc.
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De qualquer forma, o editor parece uma boa imagem do leitor – pelo menos uma imagem diferente do escritor, já tão usada por Vila-Matas. O editor, Riba especificamente, é alguém que tem contato com o literário sem ter a intenção de transformá-lo ou recriá-lo. Ou ainda: um leitor de ficção que vê o real sem a intenção de ficcionalizá-lo. Esse descolamento do literário é um dos eixos de Dublinesca: sempre que surge uma cena literária, Riba faz de tudo para que ela não se concretize ou vá adiante. Seja nas brigas com a mulher ou no estranho no hotel querendo a maleta (que daria “um bom começo” para um escritor, segundo Riba), o editor sempre evita desdobramentos literários. Ou seja, ele pensa: “Um escritor encontraria bom material aqui, mas não, estou cansado deles”.
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