![]() |
| Rembrandt, 1659 |
1) O corte complexo entre escrita e oralidade tematizado por Platão em sua obra - um corte, de resto, que é também da ordem da convivência e da costura inextricável, para todo o sempre -, que ganha dramaticidade em sua recusa-recuperação de Homero (perfeita Aufhebung hegeliana avant la lettre - negação, conservação e elevação), está presente também no célebre e inesgotável primeiro capítulo de Mimesis, de Auerbach, sobre as duas vertentes literárias principais da tradição literária ocidental: de um lado o espraiamento e a iluminação uniforme de Homero; de outro, a profundidade psicológica - com lacunas e zonas de sombra - do Antigo Testamento.
2) "Alguém escreveu o Livro de J usando a escrita fenício-hebraico-antiga, ou fazendo marcas em um pergaminho de couro com uma faca cega, ou então, o que é mais provável, escrevendo em nanquim com uma pena de junco sobre um papiro, e mais tarde colando as páginas, de forma a fazer um pergaminho. Podemos pensar em J mantendo seus pergaminhos em um só lugar, mas provavelmente nunca fazendo deles uma unidade composta. Mas estas entidades fisicamente separadas refletiam uma consciência notavelmente unificada, não um bando de javistas ou uma rede discordante de tagarelas legendários, mas uma mente única e majestosa, mantendo unida a realidade na imagem única e grandiosa de Yahweh, a quem podemos chamar a imaginação desperta de J" (Harold Bloom, O Livro de J, trad. Monique Balbuena, Imago, 1992, p. 32).
3) Os poemas de Homero, por outro lado e até certo ponto, apresentam uma estrutura que facilita a memorização e a execução que responde à mnemotécnica: trechos dentro de trechos, como caixas dentro de caixas - situações que permitem a retomada de elementos que ficaram no passado e que, possivelmente por um lapso, podem ser retomadas (como Ulisses na corte dos feácios: os livros de 9 a 12, incluindo aí Polifemo e Circe, são caixas retiradas de dentro de uma caixa). De certa forma, a estrutura mnemônica oral antecipa suas próprias falhas a partir dessa estrutura de caixas dentro de caixas, que permite o enxerto dentro de uma história em processo, em andamento.

Nenhum comentário:
Postar um comentário