quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O amor e os amigos



1) Em sua biografia de Dante (capítulo 6, "O amor e os amigos"), Alessandro Barbero fala de uma novidade que surge alguns anos antes da época de Dante, talvez uma ou duas gerações antes, uma nova técnica da expressão, ou ainda, um novo modo de acessar e expressar certos sentimentos: Barbero resgata o momento da Vida nova no qual Dante fala de seu primeiro encontro com Beatriz e, consequentemente, de sua paixão e de seu encanto - a partir desse encontro ocorre a mobilização, por parte de Dante, dessa novidade: analisar a paixão amorosa e traduzir essa análise em versos feitos não em latim, como seria o normal, como seria de se esperar, mas em língua vulgar, na fala do cotidiano. Antigamente isso não existia, escreve o próprio Dante: "certos poetas eram declamadores de amor em língua latina", "e não se passaram muitos anos desde que apareceram pela primeira vez esses poetas vulgares". 

2) Essa novidade de ordem linguística, contudo, é potencializada por um método de proliferação das informações que já tinha uso consolidado na época de Dante: o envio de poemas para vários destinatários, como cartas, para alimentar a troca e criar uma rede de crítica e experimentação poética - e aqui, mais uma vez, esse eixo fundamental da carta, da correspondência e do envio, parte constitutiva da tradição, desde a Carta VII de Platão, passando pelas cartas de Cícero, do Apóstolo Paulo e de Santo Agostinho (é, de novo, a questão do endereçamento de que fala Heidegger na “carta”, de que falará Sloterdijk nas “regras para o parque humano” e que retomará o próprio Derrida alguns anos depois ao falar do “cartão-postal”). 

3) Dante, então, envia seu soneto - em língua vulgar, feito a partir do encontro com Beatriz - de forma anônima para vários destinatários, confiando nas regras do jogo que todos conheciam: em breve chegam respostas, também poéticas, salientando os pontos fracos, expandindo certos temas. Uma das respostas vem de Dante da Maiano, um companheiro um pouco mais velho, que escolhe, em sua resposta, uma via irônica e, de certa forma, baixa (no sentido futuro de Rabelais e Boccaccio), recomendando ao rapaz que lave os testículos com água fria, para arrefecer os ardores: "lave suas bolas amplamente / para que se extinga e passe o vapor". 

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