Nas últimas duas décadas, um museu em Walley tem se dedicado a preservar fotografias, batedeiras de manteiga, arreios de cavalo, uma velha cadeira de dentista, um descascador de maçãs pouco prático e outras curiosidades, como aqueles pequenos e bonitos isoladores de porcelana que costumavam ser usados nos postes telegráficos.
2) Munro recorre muitas vezes à imagem da mobília, ao conjunto de móveis e objetos que marcam o pertencimento de um indivíduo ou família a um espaço preciso, uma geografia. A mobília serve também para assinalar os pertencimentos e as filiações, sendo às vezes um estorvo na hora da mudança ou um estímulo bem-vindo quando se deve recomeçar. A poltrona ou cristaleira que passaram de geração a geração desde as primeiras décadas do século XIX, ou o aparador dado pela sogra que é condenado ao degredo em uma saleta pouco usada, todos os objetos transitam pelas histórias de Munro com um claro projeto de vida. O conto que nomeia o livro Ódio, amizade, namoro, amor, casamento começa com o problema da mobília:
Anos atrás, antes que os trens parassem de correr por inúmeros de seus ramais, uma mulher de rosto amplo e sardento e cabelo ruivo frisado foi à estação de trem e perguntou sobre remessa de mobília.
3) No conto “Mobília de família”, do mesmo livro, a narradora visita uma tia idosa que havia sido para ela, no início da adolescência, um modelo de independência e ousadia – mas a visão de seu pequeno apartamento atulhado com a velha mobília da família relativiza essa percepção inicial. Em “Antes da mudança”, conto do livro O amor de uma boa mulher, a narradora volta para a casa do pai para passar uns tempos depois de uma separação – em suas cartas ao ex-companheiro, que constituem o armação formal da história, ela conta como esse exílio passa por uma aceitação e uma readaptação diante dos objetos da casa de sua infância. “Meu pai e eu assistimos ao debate entre Kennedy e Nixon”, escreve ela, e continua:
Ele comprou um aparelho de TV depois que você esteve aqui. Tela pequena e antenas como orelhas de coelho. Fica em frente ao aparador, na sala de jantar, tornando bem difícil pegar os talheres de prata ou as melhores toalhas e guardanapos mesmo que alguém quisesse fazer isso. Por que na sala de jantar, onde não existe nenhuma cadeira realmente confortável?
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