terça-feira, 17 de novembro de 2020

Eco, palavra preciosa


1) Reencontro uma passagem do livro de Roland Barthes de 1970, O império dos signos, híbrido de relato de viagem, tratado semiótico e livro de imagens (e tanto mais). Ele está comentando o haicai - o haicai como forma e como vazio de forma, como performance de uma "isenção do sentido":

"é talvez por isso que ele é dito duas vezes, em eco; dizer apenas uma vez essa palavra preciosa seria atribuir um sentido à surpresa, à ponta, à repentinidade da perfeição; dizê-lo várias vezes seria postular que há um sentido a ser descoberto, seria simular a profundidade; entre os dois, nem singular nem profundo, o eco não faz mais do que traçar uma linha sob a nulidade do sentido" (p. 100).

2) Edward Said, em The World, the Text, and the Critic, recupera a célebre passagem do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, fórmula hegeliana em sua origem: "Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes", escreve Marx, e continua: "Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". Ainda que não se escape do imperativo da repetição, argumenta Said a partir de Marx, é não só possível como necessário intervir criticamente na significação (estética, discursiva, política) dessa repetição, daí a relevância central do trabalho com a linguagem, que constitui o instrumento de intervenção por excelência.

3) Mais próxima da perspectiva Zen contemplada por Barthes está a situação de Beckett, especialmente da peça que ele estreia em janeiro de 1953, Esperando Godot (a escrita aconteceu entre outubro de 1948 e janeiro de 1949). A frase de Barthes sobre o eco e a nulidade do sentido do haicai me fez pensar naquilo que o crítico Vivian Mercier famosamente escreveu, em 18 de fevereiro de 1956, no The Irish Times, sobre a peça: Beckett "has achieved a theoretical impossibility—a play in which nothing happens, that yet keeps audiences glued to their seats. What's more, since the second act is a subtly different reprise of the first, he has written a play in which nothing happens, twice".

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