"Facundo é um livro impossível de classificar; é um estudo sociológico da cultura argentina, um panfleto político contra a ditadura de Juan Manuel de Rosas, uma investigação filológica das origens da literatura argentina, uma biografia do caudilho de província Facundo Quiroga, a autobiografia de Sarmiento, uma nostálgica evocação de um exilado político de sua terra natal, um romance baseado na figura de Quiroga; para mim é algo como nossa Fenomenologia do espírito. Como queira que se considere este livro, Facundo é um desses clássicos de influência penetrante e duradoura, pertencendo a várias disciplinas ao mesmo tempo. O fato de que Sarmiento tenha chegado a ser presidente da Argentina e aplicado políticas que repercutiram enormemente no curso da história de seu país contribui à condição canônica de seu livro".
(Roberto González Echevarría, Myth and Archive: A Theory of Latin American Narrative, Cambridge Press, 2006, p. 97-98)
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1) É digno de nota que o movimento de tomar a figura de Caliban (o servo disforme do mago Próspero, na peça A tempestade de Shakespeare) como símbolo da cultura latino-americana tem sua origem em Sarmiento, e permanece em circulação ainda hoje;
2) Para Sarmiento, Facundo é também símbolo da cultura latino-americana em sua peculiar relação com o poder, a violência e a lei, como se a figura do caudilho ao mesmo tempo fizesse uso da História e fosse usada por ela (não é por acaso que uma das principais referências externas mencionadas e utilizadas por Sarmiento seja Napoleão);
3) O Hegel da Filosofia da História permite a ligação direta entre o Facundo de Sarmiento e Napoleão: o "indivíduo histórico mundial" de que fala Hegel condensa em si objetivos pessoais e a vontade do "Espírito do Mundo" - mas quando alcançam seus objetivos, "caem como vagens esvaziadas do grão. Morrem cedo como Alexandre, são assassinados como César ou exilados para a ilha de Santa Helena como Napoleão" (Hegel, Filosofia da História, trad. Maria Rodrigues e Hans Harden, Ed. UnB, 1999, p. 33-34).
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