Outro dispositivo que Marías requisita em seu romance Berta Isla é o da recorrência de motivos e temas dentro de uma obra - ou seja, Marías faz constante uso da confiança no leitor que reconhece os sinais vindos de outras obras, outros tempos e tradições. Antes de mais nada, o dispositivo de reconhecimento requisitado por Marías faz uso da sua própria obra: a primeira camada de referencialidade do romance diz respeito aos outros romances de Marías e seus temas recorrentes:
- o cinema como espaço inconsciente socialmente compartilhado;
- Oxford e o fascínio pelos rituais elitistas da ilhota;
- relacionamentos amorosos turbulentos arrastados por décadas;
- a capacidade de falar e de ouvir e de, no processo, gerar equívoco e erro;
- o uso de Shakespeare;
- o uso de Balzac.
De Shakespeare é quase impossível falar - Marías usa sua obra desde que começou como escritor, em 1971, tendo usado fragmentos de suas peças inclusive para muitos dos títulos dos seus romances. De Balzac é possível puxar um fio interessante: Marías usa de novo O coronel Chabert, novela de Balzac que é extensamente comentada em outro de seus romances, Os enamoramentos. Balzac retorna com o mesmo texto mas por outro caminho: Chabert agora abre uma possibilidade para o marido-espião, a possibilidade de retorno depois da morte.
Embora Shakespeare não ofereça o título de Berta Isla (como faz com Mañana en la batalla piensa en mí ou Corazón tan blanco ou Así empieza lo malo), uma reflexão detida sobre sua obra está no centro do romance: Berta, que é professora de literatura inglesa, reencontra o marido depois de meses de ausência; ela faz perguntas, ele recusa as respostas; ela começa a comer pelas beiradas e evoca a peça Henrique V - "você lembra da cena na qual o rei, na noite antes da batalha, vai disfarçado conversar com um soldado?", ela pergunta, e assim por diante. Ou seja: Marías comenta Shakespeare a partir de um reposicionamento temporal da questão do fingimento, do disfarce, da mentira e, obviamente, da representação.
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