"Entre 1941 e 1944, o major Ernst Jünger, oficial de campanha e poeta da Wehrmacht, residia no Hotel Raphael, em Paris, um dos escritórios alemães oficiais na França ocupada. Sempre que os bombardeiros noturnos da Royal Air Force decolavam de suas pistas no sul da Inglaterra para atacar a ville lumière, Jünger subia até o terraço do hotel para assistir à 'beleza sublime' e à 'força demoníaca' daqueles 'espetáculos' de multimídia. Pois lá podia ver aquelas radiações produzidas pelo marechal de campo Harris com suas Lancasters e Blenheims sobre Paris em chamas. 'Na mão', Jünger segurava 'uma taça de vinho da Borgonha com morangos'.
Recentemente, alguns críticos franceses têm procurado deduzir dessa taça de vinho o niilismo e o esteticismo de seu consumidor, tamanha é a falta de informação dos intérpretes. Pois Jünger, lá no alto do terraço de seu hotel, estava apenas citando: outra guerra mundial, outro autor. A história da literatura sabe que, já em 1915, dois habitantes de Paris saíram para o balcão de seu apartamento para se deleitar com os jogos de luz entre os zepelins agressores alemães e os holofotes antiaéreos franceses. A guerra de bombas como estreia mundial... Um desses dois franceses era Robert, Marquês de Saint-Loup, um jovem oficial brilhante que estava de férias para se recuperar das trincheiras, seu futuro túmulo. O outro, menos conhecido, era um homem chamado Proust. E já que nem guerras mundiais nem ataques aéreos conseguiam turvar seu amor por Wagner e pela Alemanha, o Marquês explicou ao escritor a beleza dos momentos em que os zepelins 'fazem constelações' e a beleza ainda maior de suas quedas, quando 'fazem o apocalipse'. Pois nesses momentos - reconheceu Saint-Loup com seus ouvidos wagnerianos - os zepelins se transformam em valquírias; e o barulho das sirenes, na cavalgada das valquírias"
(Friedrich Kittler, A verdade do mundo técnico, trad. Markus Hediger, Contraponto, 2017, p. 233-234)
Nenhum comentário:
Postar um comentário