1) Em 29 de abril de 1912, Wittgenstein joga tênis com o amigo David Pinsent, numa tentativa de se livrar, ainda que temporariamente, da melancolia e da angústia. Wittgenstein, contudo, escreve o biógrafo Ray Monk, chegou à conclusão de que o que precisava "não era diversão, e sim maiores poderes de concentração". Para atingir tal fim, continua Monk, ele estava preparado para fazer qualquer coisa, "even hypnosis, and had himself mesmerized by a Dr Rogers". Wittgenstein foi duas vezes, mas só na segunda o "Dr. Rogers" conseguiu hipnotizá-lo. Wittgenstein preparou uma série de perguntas sobre lógica, pontos de sua teoria que ainda não estavam claros, e deu ao médico, para que lesse quando ele estivesse em transe mesmérico. Não deu certo, escreve Pinsent em seu diário, citado por Monk: "Witt says he was conscious all the time", que podia ouvir o médico, mas "absolutely without will or strength", não entendendo o que era dito, "as if he were under anaesthetic" (Ray Monk, Ludwig Wittgenstein: The Duty of Genius, Vintage, 1991, p. 77).
2) No livro Possuídos: crimes hipnóticos, ficção corporativa e a invenção do cinema, Stefan Andriopoulos rastreia a noção de “possessão” nos discursos jurídico, médico, literário e midiático em fins do séc. XIX e início do XX. Isso passa por uma consideração da hipnose, que o discurso antropológico de fins do XIX considerava equivalente europeu de formas não ocidentais de transe, por exemplo. Na mesma época, as teorias legais sobre pessoas jurídicas invisíveis recorriam a imagens semelhantes de possessão e controle, “organismos invisíveis”, corporações, entidades fictícias. Um ambiente histórico de fantasmagoria, de sugestões invisíveis que guiariam certas condutas, que repercute no cinema, por exemplo, nos temas e nos procedimentos - a relação entre crime e sugestão era um dos temas mais populares nas primeiras décadas de desenvolvimento do cinema, e como procedimento porque o cinema é a arte da ilusão, que trabalha com a montagem, a velocidade, o encobrimento e revelação selecionados daquilo que deve aparecer. Desde O magnetizador, de Georges Méliès, de 1897, até O gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene, de 1919, ou Dr. Mabuse, o jogador, de Fritz Lang, de 1922.
3) O processo, de Kafka (1914-1915), é a descrição da rendição aparentemente voluntária a um organismo judiciário vivo, que o convence em direção ao apagamento, "as if he were under anaesthetic". Ou “O Horla”, de Maupassant, de 1887, sobre um homem que se suicida por acreditar-se possuído por um ser invisível. Andriopoulos afirma que na retórica da época já está, assim como está em Kafka, a ideia de “interpelação” que Althusser vai desenvolver em 1970, relacionamento entre subjetividade e Estado e ideologia, algo desenvolvido por Foucault ao falar da “sujeição”, ao falar de como o poder atravessa os corpos, é performado pelos gestos, o corpo humano como controlado por um poder ubíquo inatingível mas real.
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