Em 10 de agosto de 1969, na madrugada de um domingo, Alejandra Pizarnik anotou em seu diário que desejava prescindir deste tipo de anotações para que seus conflitos espirituais pudessem transmutar-se diretamente em obra, sem passar por nenhuma classe de registro. Também anotou que esse sonho que acabava de acariciar era, na verdade, impossível de cumprir, porque a asfixiava e a mareava "o espaço infinito de viver sem o limite de um 'diário'". Para limitar a contínua perda de si mesmo à qual o submetem suas outras doenças, o escritor de diários adquire a doença do diário. Anota o que lhe sucede e o que lhe ocorre para colocar-se a salvo das forças destrutivas que ameaçam expropriá-lo definitivamente de sua vida. Protege-se, preserva-se, mas preservando também, sempre ao seu redor, no espaço fechado de cada fragmento do diário, os fantasmas ou os demônios que não o deixam em paz. Perde diariamente a ocasião de experimentar a vida como um espaço de infinitas possibilidades, essa experiência à qual se entrega sem reservas enquanto escreve sua obra, por temor de deixar de ser o doente que já se tornou no dia em que decidiu, para sempre, escrever um diário.
(Alberto Giordano, "A doença do diário. Em torno dos Diários de John Cheever". A senha dos solitários: diários de escritores. Trad. Rafael Gutiérrez. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2016, p. 127).
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